quarta-feira, 31 de maio de 2006

No caminho do meu prédio até o banco tem uma casa antiga. Não lembro como era antes, mas percebi que ela foi pintada. Quando olhei, tive a impressão que simplesmente jogaram um balde de tinta. Ela tem um monte de ornamentos, detalhezinhos, viradinhas, "frufruzinhos" que, simplesmente, "plóft" tomaram tudo a mesma cor: um coral-laranja-com-cara-de-rosa.
Como se tratava de um consultório num bairro de classe média alta da cidade, a tinta parecia daquelas super-ultra-mega-hiper-high-plus-master-advanced que, se deixar, quando tocar na parede, ela fala "bom dia" em cinco idiomas. No mais, não respeitaram nada.
Fui ao banco. Voltei pela mesma rua.
O choque já não era tão grande. E já não estava tão esquisita como eu achei da primeira vez. O que era "novo" era branco: o portão e as janelas (menos os batentes, só as janelas mesmo). Tinha lá um detalhezinho, novo também, de ardósia na entrada; e grama na frente. Insosso, sem graça, muito coral-laranja-com-cara-de-rosa e os ornamentos pareciam que estavam sobrando, não enfeitando, digo, virou uma marca do passado que a tinta high-tech escorrida não dava a mínima. Mesmo assim já não era tão incômodo e até passei a achá-la "bonitinha". Disse pra mim mesma: "acho que não entendo nada de pintura e decoração".

terça-feira, 30 de maio de 2006

Disseram-me ontem: "Você tem sorriso nos olhos".
Fui dormir com sorriso nos lábios.





PS: Analisando friamente, deve ser por isso que muitas pessoas riem de mim e de qualquer coisa que digo (afff... como se eu fosse muuuito engraçada. Às vezes, sinto-me uma palhaça, no bom e no mal sentido); ou se zangam comigo facilmente (juram que estou caçoando/ zombando do que dizem, mesmo se estou séria e atenta).
Eita, poivo dodo, sô!

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Estou me enchendo de bolacha e água. Já me disseram que preciso tomar um porre, pelo menos, uma vez na vida. Não sei... a bolacha me parece confortante. E ainda, como toda mulher moderna, fico com aquele peso de que vou engordar e me acabo nuns exercícios físicos. Fora os benefícios do “chocolate” para a produção de substâncias químicas que causam a sensação de “felicidade(?)”. Pois é, faz parte do pacote “entre na fossa por duas semanas e se sinta livre (ou pior do que antes, é a vida)”. Um dia ainda me afogo num boire. Já me contaram que algumas pessoas gostam de se fazer de vítima, digo, uma grande parte dos indivíduos inseridos na sociedade. Um dos mecanismos de cerceamento da inteligência, do qual poucas ou pouquíssimas pessoas se dispõem a sair, foi o que me disseram. E grita em meus ouvidos (dentro do fone): “A minha vida, eu preciso mudar todo dia pra escapar da rotina dos meus desejos por seus beijos...” e (com licença, vou fechar este clip horroroso do Word que não pára de olhar e piscar para mim e para a página... não é que ele pergunta se eu quero desativá-lo de vez?! Agora que ele percebeu?!) me lembrei de um verso da Hilda Hilst cuja leitura eu estava perdida, hoje, no meio da tarde: “Se te ausentas há paredes em mim. Friez de ruas duras. E um desvanecimento trêmulo de avencas. Então me amas? Te pões a perguntar. E eu repito que há paredes, friez. Há molimentos, e nem por isso há chama”. Quem sabe, sabe. E eu fico a me derramar nestas palavras, um dia ainda consigo dominá-las por inteiro, porque, confesso, algumas ainda me escapam, os sinônimos caçoam, os antônimos tergiversam, os pronomes brincam de esconde-esconde e as conjunções insistem em ser as mesmas (como aquelas “primeiras alunas” da sala que querem responder a todas as perguntas). Contudo já me provi de algumas armas: uso incessante do dicionário e uma “boa” gramática. No mais, só os verbos que trago aqui comigo, junto! Deve ser os quatro anos de jornalismo: “corte tudo, mas mantenha o verbo”. E o resto? Olho para os textos explosivamente metafóricos, substantivados, adjetivados, “pronomificados” e me pergunto: E daí? São fantásticos!

Adendo:
Outro dia, ao mostrar uma resenha (análise de “Esaú e Jacó”) para um colega, ele comentou: “Está ótimo! Sua linguagem é bem jornalística”. Não, não posso dizer precisamente qual foi meu sentimento frente a esta constatação alheia, só posso dizer que foi ambíguo. Primeiro, satisfação, afinal estava “ótimo” e minha graduação estava resumida ali em “linguagem bem jornalística”. Contudo, não era para ser “jornalístico”, entende? Era uma análise pretensamente científica e eu me deparei com o tamanho da minha restrição. Fiquei com um sentimento de limitação que me consumiu o resto da semana: Eu não sei fazer outra coisa! Obrigado pelo jornalístico, mas eu não queria escrever deste modo! Pelo menos naquele texto. Preferia um educadinho: “é, não está de todo ruim, mas tem traços analíticos”.
Daí veio o registro de um dos meus melhores professores de jornalismo, consolando meu grupo, que tinha o projeto de uma revista acadêmica: “Calma, acadêmicos escrevem muito mesmo. Vocês só vão precisar incluir [no orçamento] um frila especialista para cada tipo de assunto, porque sempre dá problema quando a gente [a classe, em geral] se mete a cortar [editar] este tipo de texto. Eles sempre reclamam e dá pau. Já soube de alguns que se recusam a dar entrevista por causa disto ou então exigem que a entrevista seja publicada na íntegra”. Caraca! Comecei a ficar com medo desta classe. Que cacete de povo metido! Põe lá a idéia central e boa! E se puder, com os verbos mais importantes, sem enrolar muito. Contudo, esqueci de informá-los, era segundo ano. Até o fim da faculdade, passei a entender a “fúria” dos acadêmicos-com-os-textos-cortados. Na maioria das vezes (pausa para a música em meus ouvidos: em francês, francês, francês, francês), uma edição não especializada pode reduzir os conceitos e literalmente destruir a construção teórica do autor. Tudo bem, retiro a metidez, mas que há uma boa técnica de embromation, isto há. E não são palavras minhas, são de dois professores universitários. Mesmo assim, há construções em que não se deve retirar nem uma vírgula, senão vira um “texticídio”. Vai entender, mundo louco!

Então, fiz só este “pequeno” adendo para expurgar o redemoinho que as mesmas palavras (afinal todos, teoricamente, não que as prioridades sejam as mesmas, têm acesso ao mesmo “vocabulário”) podem causar, inclusive em mim. De volta aos escritos com “imagens sem órbita” (aparentemente) que vi alguém se referir a um texto – muito bom, por sinal – eles me fascinam.
“Por isso hoje eu acordei com uma vontade danada de mandar flores ao delegado, de bater na porta do vizinho e desejar ‘bom dia’, de beijar o português da padaria”, não, isto não é um exemplo dos “tipos de linguagem” aos quais me referia, mas, ao ouvir este trecho berrando em meu fone, me deu uma vontade enorme de acordar embriagada por essas imagens e orbitar dentro delas!! Já pensou? E mandar a prova de amanhã, domingo, às favas e sair proclamando por aí: A sombra decapitada. Caiu fria sobre o mar... Quem foi a voz que chamou? Quem foi a voz que chamou? – Foi o cadáver do anjo. Que morto não se enterrou. Bater na porta do meu vizinho aqui, que nunca está em casa à noite, devolver o martelo e dizer: No mistério do Sem-Fim, equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim e, no jardim, um canteiro... Ele vai perguntar: Você está louca? E eu vou responder: Não, de modo algum, sou Nabucodonosor que sonhou e se esqueceu! Oh! Venha, seja quem for, dizer sonho era o meu! Venha! Que me morro, por um sonho que se perdeu!
Depois vou mandar flores para... qual o endereço, moça? De Vila Rica ao Tejuco, lá vai carta, lá vem carta. Prendem o padre ou não prendem? Dificílima caçada! Uns dizem que já vai longe, pelo alto da serra brava; outros, que só sai de noite, fugindo, de casa em casa . Não entendi, moça. A senhora tem o CEP? Quem é o destinatário? Meninas de bicicleta. Que fagueiras pedalais. Quero ser vosso poeta! Ó transitórias estátuas. Esfuziantes de azul. Louras com peles mulatas . Vou correndo para a padaria. Ao chegar, leio bem alto o aviso que me permite o acesso à cozinha e rompo lá dentro, abraço o padeiro, dou um beijo em sua face e aqueles olhinhos vermelhos e sorriso gorducho vão me perguntar: O que aconteceu? Nada demais, senhor padeiro, só que quando ontem adormeci. Na noite de São João. Havia alegria e rumor. Estrondos de bombas luzes de Bengala (e pego uma “bengala” de pão e uso como microfone) Vozes, cantigas e risos ao pé das fogueiras acesas. No meio da noite despertei. Não ouvi mais vozes nem risos. Apenas balões. Passavam, errantes. Silenciosamente. Apenas de vez em quando. O ruído de um bonde. Cortava o silêncio. Como um túnel. Onde estavam os que há pouco. Dançavam. Cantavam. E riam. Ao pé das fogueiras acesas? – Estavam todos dormindo. Estavam todos deitados. Dormindo. Profundamente. Até aí, o vizinho já avisou o porteiro, que ligou para a administração do condomínio, que já chamou a polícia, passaram pela floricultura, onde a vendedora os recebeu: “vocês estão atrás da louca? Ela foi pra lá, na padaria”, e foram todos me encontrar. O padeiro tenta explicar: “ela deve estar sonâmbula. Diz que está todo mundo dormindo, mas acho que [sussura], na verdade, é ela mesma”. A polícia me pergunta: “O que tem a falar em sua defesa?” Eu digo: “Loucura! Gritou o patrão. Não vês o que te dou eu? – Mentira! – disse o operário. Não podes dar-me o que é meu”. – Vamos levá-la! Na delegacia, esbarro numa pobre mulher que, pela minha observação, foi presa por roubar bananas e ia para a mesma cela que eu. Sussurro em seu ouvido: Alguém devia ter contado mentiras a respeito de Joseph K., pois, não tendo feito nada de condenável, uma bela manhã, foi preso.

sábado, 27 de maio de 2006

sexta-feira, 19 de maio de 2006

Outro dia desses aprontei um encontro diferente: consegui reunir quatro grandes personagens do Romantismo. Foi difícil por causa da agenda, mas foi uma conversa proveitosa.

Encontram-se Werther de Os sofrimentos do Jovem Werther, Gustav de Morte em Veneza, Romeu de Romeu e Julieta, Carlos de Eugénie Grandet e o “homem do penhor” de Criatura Dócil, que aparece como Dost (em referência ao autor Dostoiévsky):

Werther: Ó céus, ó vida! Será que ela me ama?
Gustav: Não fica assim, Werther! Pelo menos você conversa com ela! E eu que não sei ao certo qual o tipo de admiração que aquele menino do hotel causa em mim? Sua beleza , sua juventude, sua naturalidade, sua espont...
Romeu: Há-há! Vocês não sabem o que é amar uma mulher e ter seu destino separado por...
Carlos: Já sei! Duas famílias: Capuleto e Montéquio e blá blá blá! Duvido que alguém tenha um pior que o meu! Eugénie é linda, rica, formosa, mas tem um pai avarento que causa desespero. Além disto me mandou para bem longe dela...
Dost: Vocês têm que ser fortes!
Werther: Como ser forte? Explica-me!! Se este sentimento nobre, puro domina todo o meu ser e suga todas as minhas forças? À Carlota entrego todo o meu coração, minha alma...
Carlos: Segura! Segura! Ele vai se matar de novo!
Romeu: Ó Werther! Como eu o compreendo! Esta emoção que pulsa dentro de nós, leva-nos à loucura! A razão foge... o coração fica... a beleza de Julieta me encanta, seu sorriso me conforta! Seus lábios me fazem acreditar na supremacia da beleza feminina sobre a mente racional do homem...
Gustav: Realmente, a beleza é a porta de entrada para os devaneios da mente humana. É uma arte tão natural que chega a ser bela somente pela sua forma. Ou seja, pelo fato de existir! A essência é colocada de lado em nome do fascínio que a perfeição da construção humana é capaz de criar!
Dost: Vocês são uns fracos!
Carlos: Falou o “cara”!
Dost: Vocês têm que tomar a rédea da situação. Tem que ter domínio e poder sobre as damas! Não pode permitir que os anseios do coração dominem sua racionalidade.
Werther (chorando): Humpf... você diz isto, mas ao ver o desprezo de sua esposa também ficou louco...
Dost: Que nada! Fiz o que achei certo, coloquei-a no lugar dela. É isto que vocês deveriam ter feito...
Romeu: Mas não resistiu quando a viu doente!
Dost: Cuidei dela sim. Lógico, ela quase me matou! Apontou-me uma arma... é que eu fingi que não vi! E a culpa foi dela por nosso relacionamento não ter dado certo. Ela bem que poderia ser mais presente...
Carlos: É fácil colocar a culpa nos outros, não é? E você? O que me diz? Você dava atenção necessária para ela? Você é um covarde...
Dost: Ora vejam, quem fala! Você não lutou o suficiente para ficar ao lado de Eugénie e ela ainda, coitada, teve que pagar sua dívida... Covarde!
Romeu: Ei! Quem pode falar em coragem aqui é só eu e o Werther. Nenhum de vocês tem noção do que é morrer por alguém.
Dost: Nem quero saber!
Werther: Seu insensível! Todos nós vimos o seu desespero quando sua esposa ficou doente. Cuidou dela, não por “medo”; mas, sim, como se quisesse se desculpar por tudo que havia feito à ela...
Romeu: Galera, admitamos! Todos nós carregamos dentro de si este sentimento por alguém. E fomos capazes de cometer loucuras que ultrapassassem a razão que cada um tem dentro de si...
Gustav (cochicha): para um adolescente até que ele tem raciocínio
Carlos: Cada um tem sua concepção de racionalidade e, ao amar alguém, ultrapassou, nem que fosse o mínimo, este limite inconsciente.
Dost: É tenho que admitir... nunca pensaria que sentiria ciúmes da minha esposa. Muito menos em tratá-la com tanto afeto...
Werther: Então... não adianta sair me acusando de louco! Minha racionalidade foi ultrapassada. E meu limite é a morte para o que eu sinto por Carlota!
Carlos: Segura! Segura!
Romeu: O meu também! Este é o grande “barato” de amar!
Carlos: Deixa-me ver se entendi... É poder sentir este prazer de ultrapassar os limites da razão em nome de um sentimento que brota do fundo do coração
Romeu: Até rimou, que belezinha!
Dost: Isto mesmo! E, por mais rígido que você seja, esta paixão tomará conta de você e em algum momento você se dará conta disto...
Gustav: e se sentirá o mais belo dos seres humanos...
Romeu: o mais bobo...
Werther: o mais louco...
Carlos: o mais bem-resolvido...
Dost: o mais poderoso...

Devido à dificuldade e o horário corrido dos personagens, eles se despediram e foram embora. Nenhum deles entendeu muito bem como foram se encontrar ali.

Ah! Quanto a mim? Estava atrás da porta. Shhhh...

terça-feira, 9 de maio de 2006

Superação.

Estranho, meus melhores textos ou, pelo menos, os que mais gosto, eu faço dentro do ônibus (é o que mais tenho feito: curtas viagens), claro, em minha cabeça insana. Depois só restam frações, tópicos do assunto que vim “maquinando” no balançar back and forth do transporte coletivo. E não pensem vocês que concebo idéias vagas, sem sentido e depois uso o argumento da fragmentação para justificar alguma dificuldade em transpor a barreira entre o Plim! Tive uma idéia e o Pqp, como eu vou escrever isto no papel? Não que eu esteja completamente livre disto, mas a questão é que no ônibus eu penso em tudo: parágrafo, vírgula, corrijo ortografia, faço relações coerentes, descarto anacronismos, tento evitar figuras de linguagem, fico lá pensando. Depois vem o descer do ônibus, olhar o sinal, desviar das pessoas, lembrar da chave, atender o celular (que sempre toca nos piores momentos), esperar mensagem, avisar o porteiro, chamar o eletricista e pfff vai sumindo, como uma bexiga esvaziando. Confesso que há dias em que estou com tanta pressa de escrever, como hoje, que me comporto como se estivesse apertada para ir ao banheiro. Acredito que o porteiro, às vezes, acha que tenho alguma espécie de incontinência, tais os meus rompantes prédio adentro.

Eu ia falar de superação. Pois é, está escrito lá em cima. Vou virar completamente o assunto:

Faz tempo que preciso praticar um esporte, não por vaidade, tampouco por necessidade de conhecer gente nova (isto é necessário sempre, mas, no meu caso, não é o objetivo da atividade física. Por que digo isso? Ora essa, tenho amigas que vão para a academia – ora pois e desde quando isto é esporte? – para desencalhar, sim, porque só as encalhadas fazem isto). Vocês percebem que vai demorar para eu chegar onde eu quero, não é? Ou melhor, onde vocês querem. Ou melhor ainda, onde eu quero mesmo, porque eu estou escrevendo e, nesta condição, como diz Sartre (calma que tudo vai fazer sentido), “o escritor é um falador; designa, demonstra, ordena, recusa, interpela, suplica, insulta, persuade, insinua” e conduz.

De volta à procura pelo esporte, sábado de manhã, vi uma roda de Capoeira na praça do Rosário. Tomei coragem, interpelei um rapaz e perguntei se ele sabia onde tinha um mestre ali pelo Centro. Para encurtar: segunda-feira, à noite, fui treinar. E aquela eterna sensação da primeira aula: timidez abundante. Para mim sempre é uma superação. Entro humildemente; faço amizade com a moça aqui; o mestre se simpatiza com a minha pessoa ali; e, como tenho facilidade, acabo atraindo outras pessoas para falar comigo, o que aumenta ainda mais meu constrangimento, mas vou conversando num constante enrubescer; e, por fim, entro como visita e saio quase como “dona da casa”.

Trata-se do mesmo princípio, no meu caso, do que eu chamaria de “quebra-da-barreira-de-grandes-leituras”. Em casa, têm uns livros de filosofia, fragmentos de um discurso amoroso. Eu sempre morri de curiosidade de lê-los, mesmo sabendo que não ia entender lhufas. Por sorte, eu tive um semestre (o último da minha graduação) de Filosofia da Cultura, o que me ajudou a ter contato com alguns autores e a ter uma, nem que fosse esparsa, idéia de como “pensa” a Filosofia e, melhor ainda, de como escrever filosoficamente (um choque para os quase-jornalistas de 3 anos e meio de Sociologia). Ah- ah! Que pretensão a minha! Eu disse breeeeve idéia, uma noção assim bem longe, um tatear (do Kant) beeem levinho de como pensar e escrever filosoficamente; isto, sim, eu tenho que percorrer ainda alguns milhares anos-luz.

E cá estou eu com a minha vontade incontrolável de ler os clássicos, respiro fundo, tomo coragem e “interpelo” o autor: leio a introdução. Faço na cara-de-pau mesmo, sem medo de ser feliz, nem que seja por intermináveis vezes.
Começa o livro. Uma timidez enorme toma conta de mim, viro para mim mesma e pergunto: “Por que você está lendo isto? Mal consegue entender a primeira página!”. Mas, mesmo lendo uma página trezentas vezes, eu prossigo.
Confesso, tristemente, que leio escondida (portanto, se me perguntarem, não sei de nada), quero tentar entender (ou não) sozinha. Afinal, dependendo do círculo em que se vive, se você diz que está lendo tal livro, as pessoas vão te perguntar o que você entendeu; o que achou de tal conceito; se você já leu a crítica; se você viu a nota de rodapé em que o autor se contradisse; vão relacionar com outros clássicos (que você ainda não leu) e perguntar o que acha; daí você fica com aquela cara de “ahn?” e usa a velha desculpa do "ainda estou no começo". Vejo um certo grau de esnobismo em algumas atitudes como aquelas, mas deixa pra lá.
Estimulante mesmo é a troca de impressões, dúvidas, divergências, discurso dos conceitos. O que importa é que eu estou me superando, não no sentido de ficar superior a alguém, mas de vencer minhas próprias barreiras. E, assim como na Capoeira, de visita eu me transformo em “dona da casa”. Ou seja, quando eu supero (como é o caso do livro que estou lendo) a leitura se torna tão emocionante quanto à dos romances que adoro ler.
E o autor vira quase um amigo meu. ;)


PS: Estou toda dolorida por conta dos esforços físicos, mal consigo andar. Com a leitura deve ser assim também: a engrenagem, no começo da lubrificação, é dificultosa e faz a gente pensar em mil coisas sem sair do lugar; depois, tudo flui... inclusive os jogos dentro da roda :)
Livre. Book. Free.

Hoje acordei cedo. Fazia tempo que não tinha essa sensação da completude da manhã ou, pelo menos, da sua extensão. Não por falta do que fazer, mas sinto que começo a entrar em outro mundo. A noite, pra mim, sempre foi sagrada e dedicada ao descanso físico e mental. O sono infantil incontrolável tomava-me tão profundamente que não me permitia fazer mais nada. Hoje, consigo administrar isto e, dependendo do trabalho, fico até três horas da manhã em pé, sem café. E geralmente vou dormir não pelo sono, mas da consciência da implicação que esta atitude pode levar: mais horas perdidas pela manhã.
Sempre fui do dia. Tenho até hoje uma forte resistência em “virar o dia”. Ou seja, não dormir, ver o sol nascer e tudo mais. Para mim, isto nunca teve nenhuma veia romântica, pelo contrário, ver o amanhecer (sendo que eu não dormi) traz-me angústia e pânico. Não sei porquê. O motivo não interessa.

O romantismo, digo, este ar contemplativo dos fenômenos atmosféricos sempre esteve expresso nos horários de luminosidade. Qual não era minha alegria em adivinhar, aproximadamente, as horas quando o sol estava a pino, meio-dia. E ver o tempo passar pelo comprimento das sombras que ele produzia no chão. Minhas observações chegavam a ponto de tentar calcular a distância de alguém atrás de mim pela minha posição em relação à sua sombra. Ok, ainda faço isto. Há pouco tempo vi, de perto, um relógio de sol. Já conhecia, sabia como era e funcionava, mas não tinha me aproximado. Fascínio. Lembro-me perfeitamente: havia um desenho animado cujo personagem principal usava um relógio solar de pulso, achava o máximo. Aliás, isto faz parte dos meus desejos de “consumo” não realizados (outro interessante é um mouse em forma de caneta).

O fim da tarde é meu período predileto. Nem escuro, nem claro. E você sabe que o resultado é a noite. Como o semicerrar dos olhos para o sono. É diferente do nascente cujo destino é a luminosidade máxima do dia. É aquele momento de transição, de calmaria, como a vigília antes do profundo descanso e o desfecho com o céu azul-escuro, a primeira estrela, até a chegada sutil da Lua e suas imensuráveis companheiras luminosas. Aqui em Campinas, tampouco em São Paulo, essa visão da noite é tão bonita quanto em Lorena. Mas, devo confessar, o pôr-do-sol campineiro é um dos mais belos que já presenciei; e a cidade de São Paulo uma das mais fascinantes que conheci.

O céu pesado da madrugada, eu não costumo apreciar. A não ser, é claro, que eu tenha dormido muito bem e tenha acordado às quatro para um compromisso qualquer. Mesmo assim, assistir o nascer do dia me dá uma sensação de não-completude do processo do sono. Não vou negar que o espetáculo é maravilhoso e agradabilíssimo aos olhos, mas eu não consigo compartilhar visceralmente desta apreciação. Como a obra de arte, por exemplo, há aquelas que agradam aos olhos e outras que aos olhos também, mas o interior se exterioriza e dá a sensação de se tornar participante do processo de execução do objeto artístico. Não sou uma apreciadora exímia das artes, mas o contato que tive até agora me permitiu vivenciar estas experiências.De volta à agradável sensação de acordar cedo, dormir bem à noite e apreciar o dia, para me policiar de eventuais “excessos” do sono, ou seja, para me deslocar do planeta “Sonífera Ilha, descansa meus olhos”, mudei meus (poucos) móveis de lugar. Levei minha “cama” (dois colchões de solteiro empilhados) para o quarto. Soa estranho, não? Eles não deveriam estar lá? Pois é, isto acontece porque a janela do quarto é enorme e a cortina não eficiente no quesito bloqueio-da-luminosidade. Portanto, a “cama” fica(va) na sala até eu conseguir comprar uma mesa de estudos decente, o que me forçaria a levá-la para o quarto. Ainda estou sem a mesa, mas os colchões empilhados foram pra lá. Por mais que eu lute com os travesseiros em meu rosto e os vizinhos espiando, oito horas, no máximo, já estou desperta, totalmente tomada pelos raios de sol.

[sexta-feira, 5 de maio]