Depois do fim e depois do início
Que raio de lucidez é essa? Que me faz ser compreensiva quando a alma a quem desejo entregar a minha está completamente presa à outra?
Enquanto puxo intensamente o cabresto do instinto feminino em discorrer e enviar palavras melosas, dramáticas, com um toque peculiar do mais nauseante romantismo para um, pedaços disformes de um coração despedaçado escorrem pelo ralo de minh’alma e desembocam em movimento de contra-fluxo no brilho de meus olhos quando encontro outro. Nenhum deles desafia-me. Ambos são completamente passíveis às mais puras convenções dos relacionamentos menos convencionais: o depois do fim e o depois do início.
O moinho que toca suas hastes lentamente sobre o rio dos dias começa a rodar em sentido contrário e joga para o alto, com suas espátulas gigantescas, toda a compreensão rotineira do passar das horas. Mas o tempo é implacável, meus amigos, e, para toda tentativa de mudança de sentido, nada que um escorrer embrutecido de uma seqüência semanal não obste as hastes do moinho e façam-nas voltar à sua tediosa mesmice.
O tempo da razão, meus senhores, situa-se no alto da montanha e o único modo de lá fazer brotar esta força que desce brutalmente e se impõe sobre os moinhos é aguardar pela passagem pura e simplesmente da cronologia.
Os loucos conseguem rodar as hastes em movimento contrário, enviam boa parte das tentativas embrutecidas de volta à montanha, criam um contra-fluxo gigantesco e causam um furor neste cenário bucólico e sem-graça da mesmice. Já o moinho das bestas não conhece este líquido que escorre lá do alto; o rio é seco, o mecanismo enferrujado e as hastes rodam por mera complacência do próprio existir, enquanto apenas um filetezinho de água – encontrando fracamente seu caminho entre as rachaduras do imenso vácuo – escorre devagar pelo simples passar das horas imposto a qualquer procarionte.
Eu estou beirando a loucura. Ainda estou longe de um colapso geral na montanha, assim espero, mas meus moinhos giram completamente desgovernados e insensíveis à jorrada de dias, semanas, meses, que insistem em desaguar brutalmente sobre os meus, até então, verdes pastos, campos floridos, casinha de palha, feno no celeiro e vaquinha no curral. Tudo bem que no meu pasto tinha erva daninha, no meu campo pestes horrendas, na minha casinha conflitos e ameaças de morte, o feno estava mofo e a vaca prenha de um cavalo; mas são meras idiossincrasias quando o dilúvio se faz presente. O único refúgio é a saleta situada no topo do meu moinho que insiste em girar incansavelmente sobre a torrente espalhando as fúrias: a minha e a do tempo.
Em meio a este colapso hediondo, um pedaço de mim chamado amor debruça meu corpo cansado no parapeito da janela – enquanto as hastes passam furiosas rentes ao meu rosto e o caos se faz presente por todo o espaço –, estende meu pensamento ao infinito, faz-me colocar uma mão sobre o queixo e suspirar deliciosamente pelos momentos mais abstratos do interlúdio, aquele tempo encaixado entre o depois do fim em um, o depois do início em outro e a impossibilidade em ambos.
Eu estou beirando a loucura. Ainda estou longe de um colapso geral na montanha, assim espero, mas meus moinhos giram completamente desgovernados e insensíveis à jorrada de dias, semanas, meses, que insistem em desaguar brutalmente sobre os meus, até então, verdes pastos, campos floridos, casinha de palha, feno no celeiro e vaquinha no curral. Tudo bem que no meu pasto tinha erva daninha, no meu campo pestes horrendas, na minha casinha conflitos e ameaças de morte, o feno estava mofo e a vaca prenha de um cavalo; mas são meras idiossincrasias quando o dilúvio se faz presente. O único refúgio é a saleta situada no topo do meu moinho que insiste em girar incansavelmente sobre a torrente espalhando as fúrias: a minha e a do tempo.
Em meio a este colapso hediondo, um pedaço de mim chamado amor debruça meu corpo cansado no parapeito da janela – enquanto as hastes passam furiosas rentes ao meu rosto e o caos se faz presente por todo o espaço –, estende meu pensamento ao infinito, faz-me colocar uma mão sobre o queixo e suspirar deliciosamente pelos momentos mais abstratos do interlúdio, aquele tempo encaixado entre o depois do fim em um, o depois do início em outro e a impossibilidade em ambos.
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E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acentos
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
H.H