quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Ousadia

Num desses cantos obscuros da alma
ousei puxar a cordinha de um lampião
era você travestido de sim
dizendo que não

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

O poder da criação não é tão "ÃO" assim.

A minha angústia de escrever é escolher. Temos que escolher o cenário, o estilo, o tamanho dos parágrafos, a personalidade das personagens, delimitar o tema, as descrições, a relevância, as atitudes, os gestos, os movimentos, as metáforas, as figuras de linguagem, a vírgula, o ponto, o ponto e vírgula, exclamação, travessão, tristeza, alegria, morte, vida, nem sempre consciente. Tudo isto tem que se articular e isto angustia-me. Sempre pergunto a mim mesma: por que tal personagem será assim? Por que ela vai falar isto? Por que descrever tão minuciosamente esta porta, este objeto, esta paisagem é relevante? Por que descartei tal descrição? Por que eu não fiz referência, por exemplo, ao tipo de chão que tal personagem passa na cena mais importante do texto? Por que vou dar "voz" a alguém neste trecho? Por que sou onisciente (ou não)? E se eu quiser que em cima da mesa da protagonista tenha uma tesoura? Ou um lápis? Ou nada? Por que não a coadjuvante? Por que eu não quis escrever isto e quis escrever aquilo?
É por essas e outras que escrever, para mim, é uma aventura. É certo que isto causa um atraso imenso, nunca consegui escrever, por exemplo, uma história grande o suficiente ou como eu gostaria. Sempre esbarro nestas coisas, fico exercitando minha liberdade "criativa" (não no sentido de auto-elogio, mas do poder que todo ser humano tem de inventar uma história banal, ou seja, de fazer escolhas) tirando e pondo coisas, diálogos, interferindo em destinos, construindo mundos, reinos, cidades, mares, planetas, destruindo-os, reconstruindo-os. Crio personagens, decido idade, tamanho, cor dos olhos, comportamento, índole (ou falta de), formação. Ou seja, tudo. É mais que o poder divino praticamente, pois eu - como qualquer escritor - decido exatamente tudo. Bom, devo ter acabado de cometer uma heresia sem tamanho, a não ser que Deus tenha controle sobre o comportamento, formação, atitudes e pensamento de todos os seres daqui debaixo (até sobre os que são contra Ele), retiro o que disse.
Certa vez sentei para escrever uma história. O texto até que flui, as idéias até que vêm, mas eu não resisto em inserir ou retirar um objeto, em trocar uma fala, em desvirtuar completamente o destino já estabelecido, remexo, reviro, não gosto, tiro e, enfim, a não ser que tenha um objetivo pragmático (artigo de jornal, blog, trabalho de escola etc) posso sair de uma trama no século VII a.C a um romance policial no século XIX. Não que eu tenha capacidade para fazer nem uma coisa, nem outra, mas fico mastigando este monte de variáveis e isto me angustia profundamente. Por que falar de uma coisa, se eu posso falar outra?
Angustiante, mas desafiador. Há uma seqüência de cenas no filme "Buenos Aires 100Km" que me é particularmente perfeita: o menino-protagonista está a escrever um conto e o diretor mostra, na tela, a história que o menino conta enquanto este redige. Para cada decisão acerca do "romance" do menino, a história muda. Ele escreve (não me lembro exatamente): "Era uma vez um monstro que chegou à pé numa casa..." e aparece a cena do monstro. Ouve-se o barulho da borracha no caderno, o menino fala: "Não! Um monstro que chegou de bicicleta..." a cena volta e aparece a mesma coisa, mas o monstro de bicicleta. A seqüência é feita várias vezes, em vários trechos do conto e é divertida, um tanto engraçada (descrever perde a graça). Enfim, é isto que acontece. Assistam, recomendo.
Voltando, num segundo nível, quando a gente - no meu caso, muito sofridamente - consegue fazer a trama fluir, sem o desespero incontrolável de tomar o poder da caneta e mudar tudo, as personagens, a trama e tudo mais aquilo que você escolheu começam a tomar vida própria. Outra angústia. Por mais que você queira dar um destino nefasto ou cristão, algo controla os diálogos, as descrições etc etc... como se o seu subconsciente (ou alguma instância desconhecida) disesse: "sai daí, agora é a minha vez". Já matei personagem sem querer, já fiz a minha criação tomar atitudes inpensadas, incalculadas, já suicidei minha melhor personagem, já fiz o impiedoso ter perdão, o sertão virar mar e o mar virar sertão; já me prendi em quartos escuros, já atravessei o oceano, sem querer (por isto acho que cometi uma heresia lá em cima). E você lê, lê, lê, quer mudar e não muda. Que saco. E brigo: por que você fez isto, personagem estúpida? você é louca? Para onde você vai? Não fala isto! Não faça isto! Não faça aquilo! Pronto, já foi, já era. Eu não sou mais livre. O tal peso, as tais camadas, o tal desconhecido e todas estas variáveis, elas, sim, me escolheram.
O que eu faço? Se eu pudesse, como o Criador veio para a terra, enviar-me-ia para dentro de um monte de páginas, tornar-me-ia, então, personagem de mim mesma, e, portanto, tiraria da mão daquele cretino filho-da-mãe que eu criei a arma com a qual ele ia se matar.
Como não dá, destruo e queimo tudo, ou melhor, deleto e arranco até da lixeira. Nem como lixo servem minhas histórias.
(Não mesmo: sem auto-piedade, falsa modéstia, sem estas coisas de joguinhos hipócritas).

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Uma lata de sardinha velha e vencida...
O dia em que Agilulfo Samsa encontrou-se com Bradamante Baudolina
O acontecimento se deu no reino Frascheta, um pouco antes de Bradamante Baudolina traçar o destino a favor de Rambaldo. O duelo foi postergado durante semanas, mas, por insistência de Baudolina, o fatídico dia chegou. Munida dos manuscritos em latim raspados, da espada de nanquim, do escudo semântico, do elmo da L'oreal e, claro, da armadura profissional, lá foi Bradamante cruzar a linha divisória do seu adversário: Agilulfo Samsa. Era para ele ser inexistente, e assim foi durante muito tempo - enquanto B.B. achava que não havia nada embaixo daquela armadura - mas, de repente, num desses dias ao acaso, saiu do elmo um bicho asqueroso, com patas incontáveis, casco duro, antenas pegajosas e um abdômen retorcido que dificultava a respiração traqueal, fazendo daquele inseto mais horrendo do que parecia. Doravante, Bradamante arrefeceu, Agilulfo enrubesceu, Rambaldo apareceu e o duelo foi marcado.
O cair da tarde em Frascheta é sempre penoso, porém agradável aos olhos. O fim de journée parece cair inteiro sobre as suas costas, como se o céu desabasse todos os sacos de areia que foram usados para manter o espetáculo do dia todo em pé, na sua cabeça. Mesmo assim, com as costas flageladas e a cabeça pesada, pode-se admirar o sol ao horizonte, num jorro policromático de dar inveja a qualquer produtor hollywoodiano.
Neste cenário, encontraram-se Bradamante e Samsa. Parada súbita. Desembainhar das espadas. Olhos nos olhos. Nariz com nariz. Espada com espada. Raiva com raiva. Ranger com ranger. Cerra-cenho com cerra-cenho. Bufada com bufada. Tensão com tensão. E senta aí, vamos tomar um café.
Enquanto Baudolina falava alemão, Samsa entendia em grego, respondia em tchéco e B.B entendia em russo. Para não restar dúvidas de que ambos estavam entendendo-se perfeitamente, travaram os termos do duelo por escrito: Bradamante escreveu em latim, Agilulfo achou que era - e leu em - árabe; e, nos parágrafos feitos por Samsa, Baudolina tinha certeza que lia trechos em hebraico, ao passo que Agilulfo escrevia em catalão.
Samsa ainda estava entorpecido pela noite anterior - que não fora muito tranquila - e Bradamante ainda estava se recuperando de alguns meses na montanha para curar um prenúncio de tuberculose (como se não bastasse o tratamento, ainda tomou para si o trabalho de mediar o conflito ferrenho entre dois companheiros da casa onde se hospedou). Mesmo com cansaços subjetivos latentes e não-declarados, o clima entre Agilulfo Samsa e Bradamante Baudolina não estava para condescedências... de nenhuma das partes. Os termos do contrato foram esmiuçados e não havia mais nada a declarar.
Olhos nos olhos. Espada, escudo, armadura, posição de ataque e IÁ! B.B ataca pela direita, Agilulfo pela esquerda e... ambos atacam o ar. Novamente. Eles se olham, sacam a espada e... IÁááá... cada um para um lado de novo. Decidem atacar-se de frente. Respiração ofegante, raiva ascendente, orgulho pulsando nas veias, não há erro, eles estão próximos, é só enfiar a espada bem ali... é agora ou nunca... e Samsa conseguiu. Bradamante esqueceu que o escudo semântico, nos termos muito bem escritos, torna o seu portador vulnerável. Agilulfo não perdoou nem o silêncio da quebra da linguagem, simplesmente enfiou, arrancou e limpou a sua espada de qualquer resquício daquela cena insignificante e desprezível. Baudolina, como boa contadora de história, fingiu mais dor do que sentia - menos por orgulho do que por comodidade - e se lembrou de que ela também era o reflexo de Agilulfo Samsa. Ou seja, atacando-a, Samsa também atacava a si próprio.
Num ímpeto, B.B enrolou seus manuscritos, refez seu escudo, fechou seu elmo, ajeitou sua armadura, despediu-se de Agilulfo - que agora tinha o bicho sobre a sua cabeça em posição de ataque, com as patas peludas e úmidas agitando e agonizando fervorosamente - e pôs-se a cruzar a fronteira além-Frascheta. Enquanto as pernas e os braços da armadura de Baudolina moviam-se sozinhas para cruzar a linha, ela, encolhida lá dentro, no ventre de sua própria casca, sacudia e chorava copiosamente... por ter vencido.
Afinal, num cantinho qualquer lá da Frascheta, Agilulfo Samsa lutava contra o bicho em sua cabeça, envergonhava-se do sangue em sua espada e não continha o aperto indelével em seu coração quando, ao reler o termo, viu que "ruoma nom asmas" não era apenas mais um trocadilho latinesco de B.B para confundi-lo, senão o real motivo pelo qual ela estava ali: "samsa mon amour".
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.
Simone de Beauvoir

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Fora do expediente
Completamente fora do expediente que eu criei para mim mesma (que coisa, não, tenho a capacidade de engessar-me), eu sentei aqui para fazer várias considerações. E, como blog, como post, lá vem o gesso, a gente costuma escolher sempre um tema, um ponto de vista, uma cena, um isto, um aquilo, tudo em um, tudo em pílulas. Fácil assim para todo mundo tomar um pouco. Não naquele lugar, óbvio, pois meu ímpeto eu-escrevo-o-que-quero-e-foda-se não está em alta.

Coloquei-me assim porque estou de mudança. E, mudando, até o visual do blog tomou outra cara. Confesso que não gostei muito do novo modelo, este cinza, este rosa, sei não, de qualquer forma, é outra coisa. Isto basta. Esta praça(?) aí no canto superior direito convenceu-me, sabem como é: praça, público, coisa, república, opinião pública, café, frança, autonomia. O som desta sequência agrada-me em vários níveis.
Piano
Por falar em som, voltei aos meus estudos em piano. Um tanto enferrujada, claro, cinco anos são cinco anos, sete notas são sete notas, oito escalas são oito escalas, dez dedos são dedos, milhões de neurônios são milhões de neurônios. Este período um tanto insano ajuda a entender o tamanho da ferrugem acumulada, mas nada substitui o prazer de usar outros registros do cérebro e de (re)apurar a audição que, no meu caso, faz todo sentido.
De volta à mudança, o papo aqui é interno, entendeu? Uma coisa de mim para mim mesma para todos lerem. Este saco de exibicionismo virtual a que todos se submetem e depois reclamam que a internet é perigosa. Mas não era isto que eu ia falar.
Machismo
A pauta da semana é machismo. Estou très très très loin de tratar deste assunto com autoridade, contudo posso tratá-lo como mulher. Não como vítima. É diferente. Sim, vivemos numa sociedade machista, é fato, e não adianta reclamar. O problema é que eu tenho raiva das mulheres, principalmente, as feministas. Sendo assim, também um nutro um sentimento de auto-crítica -- ou auto-piedade? -- que me faz atropelar todas as atitudes que se esperam de uma feminista radical (urgh); de uma reacionarizinha qualquer ( casar, cuidar do jardim, filhos, marido, shopping, compras, clube, novela e Veja); de uma jovem liberal de vinte e poucos anos; de uma vitimazinha coitada deste mundo cruel; e de todos os estereótipos que se podem atribuir a uma pessoa com o mesmo estilo de vida (que raio é isto?) que o meu. Não que eu esteja fora destes estereótipos (hoje, aliás, estou me sentindo a mais careta e conservadora dos seres-humanos), supondo que eu seja uma centopéia, estou com um pé em cada um. O mais problemático disto tudo - pelo que posso perceber ao longo das conversas por aí - é que eu não ligo a mínima para esta sociedade machista. Digo, não ligo tanto quanto as outras ligam (até as mais feministas).
Não me preocupo em tomar uma atitude que os homens esperam que uma mulher - que se importa - tome, entendeu? E isto não significa que eu abraço a causa "homens: quem precisa deles?", muito menos a "só se é feliz acompanhada" e, menos ainda, a "toda mulher precisa de um marido". Ora posso tomar uma atitude de deixar uma feminista com o peito estufado e ganhar um bottom pela causa; ora posso fazer soar vários elogios das pessoas na sala de jantar. Neste sentido, sou livre. Tá, não tão livre quanto gostaria e deveria, mas se as mulheres parassem de se preocupar e se ocupassem com temas mais relevantes, creio que as coisas tenderiam a melhorar a nosso favor com maior rapidez do que fazendo listas e mais listas de auto-ajuda para "viver bem sozinha", "superar um pé na bunda", "mandar na relação", "conquistar um homem para sempre" etc.
Os mais velhos dizem que proferir este "discurso" só é possível quando se é jovem, tem vinte e poucos anos, determinado tipo de vida, determinada cor, determinada formação, determinada criação e afins. É um saco este eu-já-sabismo dos mais velhos. Se é assim, que assim seja então, e lá vou eu me enquadrar, novamente, em algum estereótipo determinado xis, xis e ípissolon pelo censo IBGE 2006. Tá bom pra vocês? Burocratas. Como li em Tolstói, "Regra. Chame as coisas pelo nome".
Burocracia
E não é que este povo meio kólv, vlódva, óvna, itch, fka e outras combinações consonantais pavorosas tratam frequentemente da burocracia? É russo, é tcheco. Eu, hein. Como se já não bastasse a própria "complexidade" da coisa em si. Toda vez que o banco me manda preencher um formulário, dá vontade de responder naquelas línguas.
Amor
Nem as combinações consonantais pavorosas causam-me tanta inquietação quanto a linguagem deste, deste, deste, hum, desta coisa. Ultimamente, sinto, des-sinto e não sinto tantas variáveis do estoque de sentimentos-sem-nome que fugi à regra: embolei tudo num pacote e chamei de amor. E sem aquela caca romântica asquerosa que me causa náuseas. Um erro, claro, porque neste bolo de sentimentos o joio podia estar presente. E que joio. No entanto, como numa peça de teatro em que você erra a fala, só você sabe que errou; ou seja, se você souber se articular, ninguém percebe o equívoco. A não ser, é claro, o idiota que já viu a mesma peça (interpretada por você) várias vezes. Quanto aos outros, a gente supera e ainda sai, linda, com aplausos em pé, assobios, ovações e até pedidos de autógrafos.


Então
Obrigada pela poltrona.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Mais um daqueles dias em que te
avisam que as nuvens não são de algodão

domingo, 10 de dezembro de 2006

Vida roda viva

Hoje, depois de tomar café na padaria, fui ler meu livro numa praça perto de casa. O tempo estava agradável, uma brisa fria e seca dava conta de refrescar o corpo do mormaço que escapava do céu nublado. Mesmo absorta na minha leitura, não pude deixar de perceber uma criança aprendendo a andar em sua bicicleta nova. Ela parou bem ao meu lado e não conseguia continuar por causa de uma pequena elevação no chão, seu pai – distante uns 50 metros – gritava:
-- Vamos lá, filha! Força na perna!
Após várias tentativas e bastante esforço para uma menina de cinco anos, ela arrancou e saiu toda faceira. Logo atrás dela, passou também ao meu lado, sem problema com a elevação do piso, uma velha senhora, magra, retorcida, olhar penoso e cabelos esgrenhados, sendo empurrada numa cadeira de rodas.
Minha garganta secou, minha cabeça pesou e demorei um bom tempo para voltar à minha leitura.

sábado, 9 de dezembro de 2006

Uso léxico

Eu queria ter o poder de usar as palavras a meu favor. Quando eu sentisse aquela raiva imensa, discorrer palavras dilacerantes, daquelas que cortam afiadas o coração das pessoas e não perdoam nem o som da vírgula. Sentei aqui para fazer isto e não consigo. Percorri toda a semântica disponível do meu limitado vocabulário e nada apareceu. Xingamentos, sim, mas eles têm poder superficial, não atingem meu objetivo e, além do mais, são muito estéreis. Eu queria usar as palavras, aquelas mesmas que com o poder comovem e, com o efeito inverso, destroem.
O não é um bom começo. Uma frase com antônimo não é tão poderosa quanto a frase negativa. Um "eu te odeio" é menos pior que um "eu não te amo". Pois na segunda, você afirma a impossibilidade de algo bom que poderia acontecer, enquanto a primeira beira a esterilidade do xingamento. Ou seja, na última, você diz sem dizer que poderia amar, e não ama; já no antônimo, você odeia, mas também pode amar (viva a contradição humana). Vejam, estou falando de algo para cortar de fora a fora a alma. Em outros contextos, um "eu te odeio" deve funcionar melhor, mas não estou muito preocupada com isto. Usei este exemplo banal, tão banal que não consegui resolver, nem assim (creio que uma lista de coisas que eu não sinto também não resolve). Dirá com o complexo jogo de sentimentos nada cristãos que borbulham aqui dentro.
Dizem que a indiferença também funciona, mas o alvo da lâmina geralmente é impreciso. E eu queria atingir ali, naquele lugar, especificamente no ponto onde até o silêncio entre o ponto final e o próximo parágrafo gera um soluço longo e apertado. Já que não sei como fazer isto, que fique registrada a minha vontade.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Leitura
Eu o leio. Leio até o fim com a astúcia que me é permitida, nem que ele coloque veneno em cada página que eu virar, nem que a capa se encha de espinho, nem que o cheiro se torne intragável, nem que ele escreva as palavras mais horrendas, nem que cada leitura se torne uma guerra, nem que a cada linha ele queira arrancar minha vista. Não adianta. Ele não consegue esconder as entrelinhas da sua própria personalidade. O infeliz tenta, é verdade: se enche de páginas de propaganda de vileza, crueldade, frieza e, claro, indiferença. Faz questão de colocar tudo isto em anúncios de exclusividade e primeira página, mas, desse livro, já conheço o índice e o prefácio e sei facilmente descartar estas propagandas baratas. Afinal, eu sei que os capítulos doçura, insegurança e carência estão nas páginas 172, 268 e 564 respectivamente. Confesso que até me divirto, como quando olho para uma propaganda ignóbil e me pergunto, sempre, como alguém pode acreditar numa coisa ridícula destas.