A hera nasce, cresce, se reproduz e morre
A era nasce, cresce, morre e se reproduz
O. Tetiro e M. Teponho
Te tiro dos pensamentos você volta
Te tiro do coração você não sai
Te tiro da realidade você fica
Te tiro quociente você divide
Te tiro da inércia você rotina
Te levo a sério você brinca
Te ponho potencial você cinética
Te ponho na espera você se atrasa
Te ponho consciente você sub
Trai
Te ponho mente você verbo
Te ponho ão você inho
Te conto piada e você hipo
Como isto?
Do sacro tiro
Do ufano ponho
Tiro ufano ao longe
Sacro ponho laico
Erra quem diz aramaico
Passa longe quem manda flores
Chega perto quem espanta amores
Um grito surdo da dialética
Quebra o dedo virado para o céu
E amputa o pé preso à terra
Entre as mutilações
Vos apresento:
O ponto Tetiro e M ponto Teponho
Hoje, fui parar, muito por acaso, em uma cerimônia de casamento espírita.
Participei, ou melhor, assisti de camarote o dia mais feliz da vida de alguém. Não deixei de provar, é lógico, do meu próprio veneno ao constatar o sorriso largo da mulher, o brilho nos olhos, a confiança de uma vida inteira juntos... e o olhar preocupado do homem, uma ânsia pelo fim da cerimônia e, quase podendo ler sua mente, “agora as contas sou eu quem pago”.
Pessimismos à parte, concentrei-me na mulher e prestei atenção a cada passo, a cada hesitação, em tudo que eu pudesse recolher de informações para guardar no pacote: “O dia mais feliz da vida de um ser humano é assim:...”.
Em meio a estas divagações, recolhi-me ao meu subconsciente para encontrar os dias mais felizes da minha vida. Sem papo enojado de auto-ajuda; e felicidade é o tema mais explorado e inacabado das mesas de bar. Não perderei meu tempo dizendo que ela não existe, não é? Não precisa.
De olho na noiva, fui buscar minhas reações e onde eu estava quando...
Dei meu primeiro beijo. Rá! Graças à ajuda da Carolina, uma amiga: ela olhou para mim e disse: “Ana Clara, seus olhos estão brilhando de felicidade!”. Sim, eu soube que aquele seria um dia marcante, mas só – e somente só - porque alguém me contou.
O filme da vida continua rolando... amizades, conquistas, momentos como... este? Não. Este! Também não. Quem sabe aquele? Huumm... pensando bem, não. E aquele outro? Será... acho que não.
Não encontrei. Erra quem ousa pensar que eu sou uma pobre garota infeliz, mas nada se comparava às reações, aos anseios, às expectativas que a noiva estampava no rosto.
Parei, de repente, quando soube que passei no vestibular. Lembro-me que estava em um churrasco, minha mãe ligou, deu a notícia e eu saí gritando, pulando, abraçando a todos, eu não conseguia conter um sorriso de orelha a orelha e falava sem parar da minha alegria.
Esta reação, definitivamente, não tinha semelhança alguma com aquela mulher reservada e contida num vestido branco, mostrando os dentes e olhos brilhantes.
Para manter a relação um pouco mais equivalente, corri rapidamente o filme com o seletor de imagens ligado no item relacionamentos. 48 horas, cinco meses e 30 dias. Diluído por este período estão os dias felizes da minha vida ao lado de alguém. Já os dez anos restantes....
Recolhi as pétalas do chão, guardei-as em um envelope e escrevi:
“Registro que hoje, dia 28 de julho de 2007, alguém estava realmente feliz. Muito feliz.”
Eram em três. Enquanto Vérges procurava incessantemente dar conta de duas mulheres afoitas por sua atenção, uma instância superior, onisciente, onipresente observava milimetricamente cada passo daquela conversa: eu, a narradora. Mas, antes que me julguem prepotente (nós, os narradores, sempre o somos, porém dificilmente explicitamos. Afinal, atualmente, não é muito vendável não fazer com que o leitor acredite que ele é o máximo), preciso avisá-los de que eu sou uma das mulheres da conversa. Compartilho daquele momento, mas tenho poderes – que a ficção me permite adquirir – de, a cada quinze minutos, sair de mim mesma e situar-me num ponto superior, acima daquelas três cabeças banais jogando conversa fora. O ângulo é exatamente o centro da mesa, superior aos mortais, como se simplesmente eu tivesse amarrado minhas ancas nas vigas do telhado e observasse tudo como um anjo pelado tocando trombetas (apesar de procurar manter o silêncio durante a ascensão).
Vérges dirigia todo o assunto da conversa com uma destreza artesã. Cada movimento de sua mão era capaz de provocar uma mudança brusca nos temas tratados, uma parada repentina ou um silêncio absoluto para dar espaço às suas colocações. Tinha o controle dos olhos e ouvidos das mulheres em cada gesto de seus dedos, em cada indicador apontado, em cada afago no cabelo. Frolaine era uma; e eu, a outra. Frolaine contestava todas as observações de Vérges, mas era logo vencida pela levantadinha do óculos e dois argumentos. Sem base, não havia discussão. Quanto a mim, só posso dizer durante a ascensão; afinal, qualquer colocação agora, soaria como um falsete tanto em relação a mim, quanto à Frolaine. Posso dizer que eu admirava cada gesto daquele rapaz que prendia a minha atenção, não mais do que isto.
Vérges, Frolaine e eu tínhamos muito em comum. Era a isto que se devia aquele encontro. Frolaine sempre acreditou que conquistaria Vérges com suas implicâncias, apostara toda a adolescência em Vérges, mas ele sempre a tratara como uma irmã e, ficar com ela, segundo sua própria ironia e sarcasmo, era incesto. Eu desprezei, durante a mesma adolescência esperançosa de Frolaine, o próprio Vérges, enquanto este rapaz, hoje preferido entre as mulheres, acusa-me de tê-lo ensinado a crueldade com as mademoiselles.
À parte do esnobismo sociológico, gostaria de fazer constar, a partir das minhas humildes observações, algumas, como diria, curiosidades que, quase sempre, me assolam a ponto de torná-las mais um fragmento do ás (neste caso, o assunto está mais para o “mentira”). Como é sabido, não assisto televisão. Não por exibicionismo intelectual, não a considero a disseminadora indiscriminada da imagem da besta, nem a responsável por todas as mazelas culturais/educacionais do país, tampouco a (única) alienadora malvada desta pobre sociedade vítima de todos as mídias, mas por uma fobia adquirida a ponto de não agüentar ficar mais de cinco minutos sentada no sofá. A não ser por filme ou jogo de futebol, nada mais me apraz nesta mídia e todo o resto irrita-me. Mesmo assim, não pude deixar de constatar, por este e outros meios, uma mania nacional – e desconfio que até internacional – pelos casos de mistério. Séries de investigação criminal, papiros perdidos, talismãs roubados, códigos indecifráveis, fenômenos extraterrenos, enigmas religiosos e todo o pacote de roteiros que incluam algum elemento aparentemente inexplicável vêm se tornando verdadeiros best-sellers. Não é preciso citar “Código Da Vinci”, não é? Ok, já foi. Citado está. É certo que sempre houve um interesse expressivo também em Sherlock Holmes, Agatha Christie e companhia, no entanto, muitas vezes, reservado ao seu grupo exclusivo de apreciadores. Atualmente, como de praxe, a massa pasteurizada de produtos com este enfoque está com maior espaço, eu diria, todos os espaços das prateleiras. Uma das explicações para tal fenômeno, creio, não está muito longe.
A indústria cultural, sabe-se, apenas um mecanismo de toda esta engrenagem para fazer-nos crer que o mundo é maravilhoso e se você não concorda é um aborígene, procura oferecer – e consegue – todas as explicações sobre o mundo. Problemas no amor? Tome uma coca, compre um livro de auto-ajuda ou se acabe no shopping. Com dinheiro? “Como casais enriquecem juntos”. Felicidade? Veja um filme bem água-com-açúcar e ele te dirá. Relação humana? Psiquiatra (e um bem bonitão, igual ao do cinema). Problema social? Doação para ONG. Poderia discorrer aqui horas a fio os mecanismos de cerceamento das questões relevantes e, por ora, desconfortáveis que a indústria cultural, de alguma forma, tenta resolver, ou melhor, resolve aparentemente. Porém, por contradições próprias do sistema, tudo está explicado e, mesmo assim, as pessoas estão “descontentes”. Todos queriam explicação, agora a têm (os que se deixam crer) e, catso, simplesmente a-ca-bou a gra-ça. Como resolver isto, afinal, parar de consumir não podemos? Simples, tchan-ram, os enlatados que falei. Transporta-se a ânsia que mesmo o mais selvagem dos homens (se homem o for) tem, um dia, pelos “mistérios” entre o céu e a terra para as telas do cinema/televisão/computador. As “dúvidas” tornam-se compráveis, portanto controláveis e inofensivas. Não é um fenômeno nada novo, não é a primeira nem a última vez que acontece, porém, mesmo com todos os esforços de homogeneização e pasteurização do pensamento e dos homens, a indústria cultural ainda rebola para que o sistema supere suas próprias contradições. Tá, não foi um rebolado que exigiu muito esforço, mas, como disse, é uma constatação enquanto a gente vê a roda viva girar.
Trocando de águas
pré-relato da viagem à Cuba
Por algum tempo não poderei mais compartilhar das águas navegadas pelo mar virtual. Num movimento não tão repentino, porém abrupto, lanço minha âncora neste post que não representa o fim do Ás, apenas um ponto de silêncio com o tempo de três colcheias e duas semifusas.
Deixo todos os pacotes ortográficos, morfológicos, sintáticos e pontuais estendidos no convés ao sol, baixo a vela da semântica e acomodo-me neste porto que, sei, não é muito seguro. Para não deixar-me tão vulnerável, lançei minha vírgula ao fundo do mar, amarrada num leve fio -- porém resistente -- de coesão, atei-o à minha nau e sentei-me numa cadeira confortável no centro da proa.