sábado, 17 de fevereiro de 2007

Trocando de águas
pré-relato da viagem à Cuba

Por algum tempo não poderei mais compartilhar das águas navegadas pelo mar virtual. Num movimento não tão repentino, porém abrupto, lanço minha âncora neste post que não representa o fim do Ás, apenas um ponto de silêncio com o tempo de três colcheias e duas semifusas.

Deixo todos os pacotes ortográficos, morfológicos, sintáticos e pontuais estendidos no convés ao sol, baixo a vela da semântica e acomodo-me neste porto que, sei, não é muito seguro. Para não deixar-me tão vulnerável, lançei minha vírgula ao fundo do mar, amarrada num leve fio -- porém resistente -- de coesão, atei-o à minha nau e sentei-me numa cadeira confortável no centro da proa.


Garanto: procurei um lugar agradável, com um cais bem bonito, um horizonte perdido, muitos amores partidos e vindos, uma maresia insolente e um tempo encontrado. Aquele tempo que você só reconhece em lugares perdidos... e abandonados... aqueles lugares onde a alma de todos, menos a tua, habita; e você é capaz de sentí-las todas, exceto a tua, profundamente. Até que, no último momento, na despedida, você a nota: presa ali... exatamente naquele lugar onde você achava que não a sentia.

Voltem quando quiserem, minha embarcação estará atada ao chão, e eu com a cabeça e o corpo nos ventos, em outras águas... mas deixo a cadeira de praia para leitura estendida pelo barco sedento por navegação, porém consciente do interlúdio. Sintam-se à vontade.

E se deste novo céu com novas águas puderem brotar novos escritos, voltarei tão brevemente que, mal você se estendeu na cadeira e sentiu os olhos ofuscados pelo sol, já estarei com o timão na mão, recolhendo a vírgula, içando a semântica e navegando em mares profundos e turbulentos recheados de Ás, mentiras e cores.


Hasta la vista

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Foco
Não que eu seja adepta da técnica aplicada aos fios de algodão da realidade que, com um sopro de dúvida, não sustenta nem suas próprias convicções dirá as aplicações.
Mas não resisti em estabelecer certos paralelos.
Fui cobrir uma palestra sobre Engenharia de Produção: carreira, entrevista, profissional de sucesso, valores, marketing, ativo, capital e toda a lambança de jargões empresariais que contribuíram definitivamente para a minha ascensão espiritual: uma discreta auto-sessão de "á-huuumm" para me situar, quem sabe, em meio àquele emaranhado de assuntos "profícuos".
No entanto, nada a temer, o palestrante era bom. E logo logo ele tratou do tema de forma mais concreta e amarrou todas as abstrações. Numa dessas amarrações (tenho que confessar, eu participei ativamente da palestra), ele falou sobre foco e estabeleceu-se um alvoroço em torno dos pressupostos e/ou pontos de partida do Brasil -- que não tem nenhuma perspectiva de crescimento intenso nos próximos, ai, segurem, cinquenta anos -- em relação à Índia e a China que, segundo as estatísticas malucas dos economistas, têm perspectivas gigantescas de crescimento. Papo vai, papo vem, opinião vai, opinião vem, ego vai, ego vem, cala a boca vai, cala a boca vem, o problema era foco. Vou enfatizar: FO-CO. Ou seja, o Brasil não tinha FO-CO, ao passo que os outros países possuíam um plano de desenvolvimento e todos aqueles blá-blás sociais e econômicos. Em poucas palavras, se o Brasil focasse em um, apenas um, atenção, vou enfatizar: apenas UM ou, no MÁ-XI-MO, três aspectos para investir toda a sua atenção, todos os problemas estariam resolvidos.
Pergunto: alguém acredita?
Outro dia, li um desses textos melosos sobre amor: juras eternas, meu amor pra cá, minha querida pra lá, eu te amo, você é tudo pra mim e toda a lambança de jargões românticos que contribuíram definitivamente para a minha ascensão espiritual: uma discreta auto-sessão de "ai-que-saco-mas-vamos-continuar" para me situar, quem sabe, em meio àquele emaranhado de assuntos "profícuos".
No entanto, nada a temer, o escritor era bom. E logo logo ele tratou do tema de forma mais concreta e amarrou todas as abstrações. Numa dessas amarrações (tenho que confessar: de alguma forma, aquilo estava me comovendo), ele escreveu sobre foco e estabeleceu-se o alvoroço (dos leitores) em torno dos pressupostos e/ou pontos de partida da leitora-eu -- que não tem nenhuma perspectiva de entendimento nos últimos ai, segurem, vinte e dois anos -- em relação ao leitor-eu e ao bom-leitor-eu que, segundo as estatísticas malucas dos machistas e feministas (que são machistas, ou seja, dá no mesmo), têm perspectivas gigantescas de entendimento. Papo vai, papo vem, opinião vai, opinião vem, superego vai, superego vem, loucura vai, loucura vem, lucidez vai, lucidez vem, o problema, segundo o escritor, era foco. Vou enfatizar: FO-CO. Ou seja, a leitora-eu não tinha FO-CO, ao passo que os outros leitores-eus possuíam um plano de desenvolvimento e todos aqueles blá-blás intelectuais e "esnôbicos". Em poucas palavras, se a leitora-eu focasse em um, apenas um, atenção, vou enfatizar: apenas UM ou, no MÁ-XI-MO, três aspectos para investir toda a sua sedução, todos os problemas estariam resolvidos.
Pergunto: alguém acredita?

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Era uma rua inacessível ao pensamento.
E deste não pensar, não existia coisa alguma.
Não era larga, nem estreita pois isto são qualidades de quem pensa e lá não tem espaço.
Aliás, espaço tem – vazio.
E deste não ocupar, não existir e não pensar surgem coisas que existem somente neste lugar não-pensante.
Nem jardins, nem flores, nem amoras, nem amores, uma rua
apenas.

Para existir paraísos é preciso pensar
E pensar muito, ora essa
Vamos até o inferno e descobrimos o que é a dor
Para, aí sim, sentirmos o paraíso
Só sentimos grandes prazeres quando já experimentamos grandes dores
Viu só?
Duas coisas para sentir uma
Na minha rua, não
Sente-se tudo, pensa-se em nada
E não é por preguiça
É por não caber

Ou, simplesmente, para zombar do meu pensamento
Que tem em si a pretensão de preencher todos os espaços
Conhecer todos os lugares
E orientar todos os sentimentos.

Esta rua ele não conhece
Ou porque não sabe
Ou porque não cabe
Ou porque ela não existe mesmo

Mas o pensar insiste em procurá-la
E a cada tentativa infundada
A rua abre-se em contentamento
Um raio de sol ilumina os ladrilhos
A esquina esboça um largo sorriso
As águas espalham-se pela calçada
E todos os meus sonhos são refletidos

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Noves fora
De toda a minha estupidez, guardo a melhor parte para quem nutre a indiferença. Então esfrego este melaço com gosto azedo nos meus olhos para que eles não vejam o quão charmoso você é. Assim garanto os adjetivos orgulhosa, estúpida, insensível e, ah, claro teimosa e cabeça dura.
Sinto que há algo errado nesta regra de três.