sexta-feira, 17 de março de 2006


Quem você pensa que sou?


-- Mãe, vem cá! Olha lá!
-- Onde, filha?
-- Você não está vendo?
-- Não... mas o que você vê?
-- Tá lá em cima, olha! Mãe, voando...
-- Me aponta a direção
-- Lá no céu, perto das estrelas
Na noite de Natal, em 1989, eu insistia em mostrar para minha mãe o trenó do Papai Noel voando pelo céu. Nossa sala tinha uma janela enorme, daquelas que vão até o chão e um sofá em frente. Enquanto meus pais arrumavam a ceia de Natal, eu subi no encosto do sofá e fiquei admirando o céu. Dei um sobressalto e chamei minha mãe. Ela não via nada, mas ficava impressionada como eu descrevia cada movimento da ilusão capitalista pelos céus de Paulínia.
Em tempo, assim como todo ser humano normal de sete anos, eu tinha noção que aquele rapaz gordo, vestido de vermelho, com uma barba de plástico, um gorro preso com elástico, numa roupa de frio, suando feito um copo de água gelada na praia de Copacabana, sentado o dia inteiro no shopping, carregando outros infantes no colo, não era o Papai Noel. Afinal, o comércio não ajuda a reforçar esta crença. É exigir demais da ingenuidade de uma criança que ela acredite em Papai Noel vendo um em cada esquina. Enquanto um distribui bala, o outro desce de helicóptero, o outro passa correndo na rua com uma mamãe Noel gostosa, o outro tira foto, o outro fica na porta da loja, gritando: “Ohohoho compre aqui”, sem esquecer daqueles gordos, suados, estagnados o dia inteiro dentro do shopping (muitos pequerruchos até se assustam, saem correndo e choram por causa de uma figura que era para ser adorada por elas).
Por outro lado, a força da imaginação de uma criança pode superar tudo isto, assim como eu acreditava piamente na existência de um Papai Noel praticamente inalcançável. E meus pais reforçavam isto. Meu pai não fazia aquela cena clássica, na qual o pai feliz, se veste para a criança feliz, para entregar o presente feliz, a mãe faz um comentário feliz e o filho finge acreditar feliz. A minha imaginação me fazia ver além do que a mídia, a propaganda, o comércio me empurravam. Papai Noel não significava presente caro do cara gordo, suado, estagnado e mal-humorado do shopping. Ele significava que, por algum esforço pessoal – seja lá qual fosse –, eu havia cumprido minha parte durante todo o ano e, portanto, vinha me dar a recompensa com uma visita.
E a fé nesta figura era tanta que eu era capaz de vê-lo, trazê-lo para minha realidade. Ou seja, todos os esforços da propaganda passavam ao meu lado, na TV ligada da minha sala. Enquanto eu, de costas para ela, entrava num estado de êxtase por ter visto o "bom velhinho" despedir-se de mim, lá do céu.

Ana Clara Ferrari

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