terça-feira, 9 de maio de 2006

Superação.

Estranho, meus melhores textos ou, pelo menos, os que mais gosto, eu faço dentro do ônibus (é o que mais tenho feito: curtas viagens), claro, em minha cabeça insana. Depois só restam frações, tópicos do assunto que vim “maquinando” no balançar back and forth do transporte coletivo. E não pensem vocês que concebo idéias vagas, sem sentido e depois uso o argumento da fragmentação para justificar alguma dificuldade em transpor a barreira entre o Plim! Tive uma idéia e o Pqp, como eu vou escrever isto no papel? Não que eu esteja completamente livre disto, mas a questão é que no ônibus eu penso em tudo: parágrafo, vírgula, corrijo ortografia, faço relações coerentes, descarto anacronismos, tento evitar figuras de linguagem, fico lá pensando. Depois vem o descer do ônibus, olhar o sinal, desviar das pessoas, lembrar da chave, atender o celular (que sempre toca nos piores momentos), esperar mensagem, avisar o porteiro, chamar o eletricista e pfff vai sumindo, como uma bexiga esvaziando. Confesso que há dias em que estou com tanta pressa de escrever, como hoje, que me comporto como se estivesse apertada para ir ao banheiro. Acredito que o porteiro, às vezes, acha que tenho alguma espécie de incontinência, tais os meus rompantes prédio adentro.

Eu ia falar de superação. Pois é, está escrito lá em cima. Vou virar completamente o assunto:

Faz tempo que preciso praticar um esporte, não por vaidade, tampouco por necessidade de conhecer gente nova (isto é necessário sempre, mas, no meu caso, não é o objetivo da atividade física. Por que digo isso? Ora essa, tenho amigas que vão para a academia – ora pois e desde quando isto é esporte? – para desencalhar, sim, porque só as encalhadas fazem isto). Vocês percebem que vai demorar para eu chegar onde eu quero, não é? Ou melhor, onde vocês querem. Ou melhor ainda, onde eu quero mesmo, porque eu estou escrevendo e, nesta condição, como diz Sartre (calma que tudo vai fazer sentido), “o escritor é um falador; designa, demonstra, ordena, recusa, interpela, suplica, insulta, persuade, insinua” e conduz.

De volta à procura pelo esporte, sábado de manhã, vi uma roda de Capoeira na praça do Rosário. Tomei coragem, interpelei um rapaz e perguntei se ele sabia onde tinha um mestre ali pelo Centro. Para encurtar: segunda-feira, à noite, fui treinar. E aquela eterna sensação da primeira aula: timidez abundante. Para mim sempre é uma superação. Entro humildemente; faço amizade com a moça aqui; o mestre se simpatiza com a minha pessoa ali; e, como tenho facilidade, acabo atraindo outras pessoas para falar comigo, o que aumenta ainda mais meu constrangimento, mas vou conversando num constante enrubescer; e, por fim, entro como visita e saio quase como “dona da casa”.

Trata-se do mesmo princípio, no meu caso, do que eu chamaria de “quebra-da-barreira-de-grandes-leituras”. Em casa, têm uns livros de filosofia, fragmentos de um discurso amoroso. Eu sempre morri de curiosidade de lê-los, mesmo sabendo que não ia entender lhufas. Por sorte, eu tive um semestre (o último da minha graduação) de Filosofia da Cultura, o que me ajudou a ter contato com alguns autores e a ter uma, nem que fosse esparsa, idéia de como “pensa” a Filosofia e, melhor ainda, de como escrever filosoficamente (um choque para os quase-jornalistas de 3 anos e meio de Sociologia). Ah- ah! Que pretensão a minha! Eu disse breeeeve idéia, uma noção assim bem longe, um tatear (do Kant) beeem levinho de como pensar e escrever filosoficamente; isto, sim, eu tenho que percorrer ainda alguns milhares anos-luz.

E cá estou eu com a minha vontade incontrolável de ler os clássicos, respiro fundo, tomo coragem e “interpelo” o autor: leio a introdução. Faço na cara-de-pau mesmo, sem medo de ser feliz, nem que seja por intermináveis vezes.
Começa o livro. Uma timidez enorme toma conta de mim, viro para mim mesma e pergunto: “Por que você está lendo isto? Mal consegue entender a primeira página!”. Mas, mesmo lendo uma página trezentas vezes, eu prossigo.
Confesso, tristemente, que leio escondida (portanto, se me perguntarem, não sei de nada), quero tentar entender (ou não) sozinha. Afinal, dependendo do círculo em que se vive, se você diz que está lendo tal livro, as pessoas vão te perguntar o que você entendeu; o que achou de tal conceito; se você já leu a crítica; se você viu a nota de rodapé em que o autor se contradisse; vão relacionar com outros clássicos (que você ainda não leu) e perguntar o que acha; daí você fica com aquela cara de “ahn?” e usa a velha desculpa do "ainda estou no começo". Vejo um certo grau de esnobismo em algumas atitudes como aquelas, mas deixa pra lá.
Estimulante mesmo é a troca de impressões, dúvidas, divergências, discurso dos conceitos. O que importa é que eu estou me superando, não no sentido de ficar superior a alguém, mas de vencer minhas próprias barreiras. E, assim como na Capoeira, de visita eu me transformo em “dona da casa”. Ou seja, quando eu supero (como é o caso do livro que estou lendo) a leitura se torna tão emocionante quanto à dos romances que adoro ler.
E o autor vira quase um amigo meu. ;)


PS: Estou toda dolorida por conta dos esforços físicos, mal consigo andar. Com a leitura deve ser assim também: a engrenagem, no começo da lubrificação, é dificultosa e faz a gente pensar em mil coisas sem sair do lugar; depois, tudo flui... inclusive os jogos dentro da roda :)

Um comentário:

Anônimo disse...

Ana Clara,
pelo que vejo, você está começando a descobrir o verdadeiro significado da "philia", que está na origem disto que hoje chamamos de "filosofia". E isto é mesmo muito legal.
Um beijo,
Izilda