Nas composições escolares, Frederico sempre caprichava no efe. Rebuscava-o amiúde e de tantas formas que a professora, ao mesmo tempo contente por ter um aluno tão dedicado, perdia as estribeiras com a longa demora do menino em terminar um simples exercício caligráfico. Ela não é a única a quem o personagem desperta sentimentos tão contraditórios.
Em casa, Frederico dedicava-se integralmente aos pais. Não por vontade própria, é claro, afinal tinha um pai cuja marra media dois prédios, altura media 1,78cm e tolerância dois ciscos e meio em dias de bom-humor. E uma mãe que, até quando nascera o filho, era uma mulher amável, porém, por vias do relacionamento, enterrou o cenho por cima do nariz e decidiu não retirá-lo de lá tão cedo.
A rotina de Frederico ao voltar da escola era constante: limpava seus pés no primeiro tapete da casa, ainda na calçada; abria lentamente o portão enferrujado, levantando a aba do trinco com uma habilidade inigualável, pois conseguia fazê-lo sem irromper um barulho sequer. Três degraus da escada separavam-no da entrada principal, e até hoje Frederico se pergunta por que seu coração palpitava tanto neste momento. Sua bermuda escolar subia e descia ao longo de suas coxas, enquanto ele subia vagarosamente aquele ínfimo lance de escada. Por alguns segundos, Frederico gostava de admirar a grandiosidade da porta de sua casa (um pedaço de madeira enorme, recheado de ornamentos, cravejado de pedras, com uma maçaneta suntuosa e um peso doentio). Seu pai proclamava muitas vezes a nobreza jurídica desta porta às visitas: “é madeira de lei”. Entretanto ele nunca entendera muito bem esta afirmação, e, quando lhe apresentaram o símbolo da Justiça, acreditou que por trás daquela venda havia dois sedutores e enormes olhos azuis.
Depois da contemplação, ele limpava os pés no segundo tapete da casa e abria a porta. A única pessoa a sorrir com sua chegada era Constantina. Seus olhos corriam a casa de ponta a ponta, da esquerda para a direita, e vice-versa, freneticamente em todas as vias, se seus pais não estavam, ele rompia da entrada da casa correndo em direção à serviçal e dava-lhe um abraço longo e apertado. E Constantina, feliz pela espontaneidade da criança e também tensa pelas conseqüências desta cena – caso os pais de Frederico vissem-na –, recebia o calor do menino em seus braços e saía apressadamente com a criança no colo para a cozinha.
Este momento era o mais prazeroso. Ambos sabiam tácita e silenciosamente da restrição temporal daquele deleite. Portanto, trocavam as experiências do dia em ritmo acelerado e divertido. Frederico contava com a boca cheia de bolo seu gol de placa, repetindo o gesto do goleiro com o copo na mão e um bigode de leite acima dos lábios. Enquanto Constantina usava a colher de pau, em que mexia a panela de doce, para imitar o verdureiro a quem soltou vários desaforos por ter insinuado um elogio a seu decote. Por vezes, disparava a cantar para a criança a última música que aprendeu usando a própria colher como microfone.
Porém, o clima amistoso não durava muito tempo. Não só pelos barulhos de escada rangendo, que denunciavam a desconfortável presença da mãe em breve, mas pelo motivo da felicidade encantadora e sarcástica daquela que descia a escada: o destino de Frederico. Ele também nunca entendera porque as ancas menores de sua mãe eram mais assustadoras do que as enormes de Constantina, mas de uma coisa ele tinha certeza: o tal futuro era tão aterrador quanto aquelas ancas finas, e não passava de mais nada além do momento em que o riso é embotado, o bolo é indigesto, o leite é derramado, o pudor é duplicado e Constantina volta às panelas.
A rotina de Frederico ao voltar da escola era constante: limpava seus pés no primeiro tapete da casa, ainda na calçada; abria lentamente o portão enferrujado, levantando a aba do trinco com uma habilidade inigualável, pois conseguia fazê-lo sem irromper um barulho sequer. Três degraus da escada separavam-no da entrada principal, e até hoje Frederico se pergunta por que seu coração palpitava tanto neste momento. Sua bermuda escolar subia e descia ao longo de suas coxas, enquanto ele subia vagarosamente aquele ínfimo lance de escada. Por alguns segundos, Frederico gostava de admirar a grandiosidade da porta de sua casa (um pedaço de madeira enorme, recheado de ornamentos, cravejado de pedras, com uma maçaneta suntuosa e um peso doentio). Seu pai proclamava muitas vezes a nobreza jurídica desta porta às visitas: “é madeira de lei”. Entretanto ele nunca entendera muito bem esta afirmação, e, quando lhe apresentaram o símbolo da Justiça, acreditou que por trás daquela venda havia dois sedutores e enormes olhos azuis.
Depois da contemplação, ele limpava os pés no segundo tapete da casa e abria a porta. A única pessoa a sorrir com sua chegada era Constantina. Seus olhos corriam a casa de ponta a ponta, da esquerda para a direita, e vice-versa, freneticamente em todas as vias, se seus pais não estavam, ele rompia da entrada da casa correndo em direção à serviçal e dava-lhe um abraço longo e apertado. E Constantina, feliz pela espontaneidade da criança e também tensa pelas conseqüências desta cena – caso os pais de Frederico vissem-na –, recebia o calor do menino em seus braços e saía apressadamente com a criança no colo para a cozinha.
Este momento era o mais prazeroso. Ambos sabiam tácita e silenciosamente da restrição temporal daquele deleite. Portanto, trocavam as experiências do dia em ritmo acelerado e divertido. Frederico contava com a boca cheia de bolo seu gol de placa, repetindo o gesto do goleiro com o copo na mão e um bigode de leite acima dos lábios. Enquanto Constantina usava a colher de pau, em que mexia a panela de doce, para imitar o verdureiro a quem soltou vários desaforos por ter insinuado um elogio a seu decote. Por vezes, disparava a cantar para a criança a última música que aprendeu usando a própria colher como microfone.
Porém, o clima amistoso não durava muito tempo. Não só pelos barulhos de escada rangendo, que denunciavam a desconfortável presença da mãe em breve, mas pelo motivo da felicidade encantadora e sarcástica daquela que descia a escada: o destino de Frederico. Ele também nunca entendera porque as ancas menores de sua mãe eram mais assustadoras do que as enormes de Constantina, mas de uma coisa ele tinha certeza: o tal futuro era tão aterrador quanto aquelas ancas finas, e não passava de mais nada além do momento em que o riso é embotado, o bolo é indigesto, o leite é derramado, o pudor é duplicado e Constantina volta às panelas.
5 comentários:
belo belo texto. adorei a constância de Constantina.
Bela observação, meu caro.
Vi que ganhei, além de um belo escritor, um ótimo leitor ;)
Beijos
moça, obrigado pela crítica positiva lá no Céu da Boca. beijo.
Dentro da tua constância, gostaria de ser Constantina. Perdoe-me a instabilidade, só tenho meu coração a entregar-te, pela milésima vez, aceitas? Estou penhorando meu calor na tua loja e espero, como um rato, a tua compreensão.
Seria ousado demais confessar uma ponta de vontade de te estar aí contigo? Deixa vai...
Bjos de um republicano convicto ;)
Estou em estado absolutista com o senhor, J.p.f.
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