segunda-feira, 26 de março de 2007

Depois de uma enorme e turbulenta onda, da água repuxada, dos caranguejos arrastados e da respiração da areia, pisei com meus pés descalços sobre a realidade úmida. Disposta a correr milhas e milhas de palavras inúteis para contar-lhes de minha viagem, fui impedida. Mal dei o primeiro passo e já tive que me acostar na beira da praia. A dor era grande: um caco de vidro pontudo e afiado estava enterrado na palma do meu pé direito e o sangue escorria incessantemente. Sentei-me então devagar na areia, cruzei as pernas, levei os olhos próximo ao membro lesado e pus-me a observar o objeto que obstou minha longa jornada. Da imensa dor que brotava dali, de toda a operação plaquética para expulsar o estranho, de toda a inflamação que estava principiando, tirei forças para arrancar à força aquele pedaço das chaves da minh'alma. Enquanto meus olhos cerravam de dor, minha respiração trancava o oxigênio e minha boca calava o grito, um homem pousou levemente suas mãos sobre mim. Em meio à confusa assimilação de sensações, senti o vidro sair e o homem desfazer-se em vento. Aliviada, percorri as mãos por trás de mim para descansar o ventre ao céu e encontrei uma rosa. Ao longo do caule, em letras minúsculas, pude ler:
"És rosa
e não consigo oferecer-te brisa
Dou-lhe o vento de toda minha fúria
para que possas tocá-la sem sentí-la"
[Volto em breve com alguns trechos do meu diário em Cuba]

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá!

Eu que acabo de voltar de uma onde turbeulenta talvez semelhante a sua, ao ler este texto fiquei muito feliz por perceber que alguém era capaz de traduzir aquilo que senti ao tentar discursar sobre tal assunto em meus textos pobres. Me senti também um tanto quanto impotente já que não fui capaz de expressar a impotencia que senti diante de falta de palavras para descrever a beleza de tudo aquilo senti nesse tempo fora.

Agradeço pessoalmente por ter sido você a pessoa que expressou tal sentimento com tanta perfeição, já que eu não fui capaz de fazê-lo!

Beijos!

Su disse...

"Sentei-me então devagar na areia, cruzei as pernas, levei os olhos próximo ao membro lesado e pus-me a observar o objeto que obstou minha longa jornada."
Estou também agora nesta fase anti-movimento, querida Ana, sentei-me e aprecio. O corpo estranho já foi devidamente expulso, mas forças para a sutura ainda não tenho.
Mas fico contente com a sua volta, viu? Vai sentindo a brisa que logo mais vem furacão!
Beijão pra você.

Anônimo disse...

Ofereço-te brisa do mar... com águas infinitas de ternura