Vende-se o mistério
À parte do esnobismo sociológico, gostaria de fazer constar, a partir das minhas humildes observações, algumas, como diria, curiosidades que, quase sempre, me assolam a ponto de torná-las mais um fragmento do ás (neste caso, o assunto está mais para o “mentira”). Como é sabido, não assisto televisão. Não por exibicionismo intelectual, não a considero a disseminadora indiscriminada da imagem da besta, nem a responsável por todas as mazelas culturais/educacionais do país, tampouco a (única) alienadora malvada desta pobre sociedade vítima de todos as mídias, mas por uma fobia adquirida a ponto de não agüentar ficar mais de cinco minutos sentada no sofá. A não ser por filme ou jogo de futebol, nada mais me apraz nesta mídia e todo o resto irrita-me. Mesmo assim, não pude deixar de constatar, por este e outros meios, uma mania nacional – e desconfio que até internacional – pelos casos de mistério. Séries de investigação criminal, papiros perdidos, talismãs roubados, códigos indecifráveis, fenômenos extraterrenos, enigmas religiosos e todo o pacote de roteiros que incluam algum elemento aparentemente inexplicável vêm se tornando verdadeiros best-sellers. Não é preciso citar “Código Da Vinci”, não é? Ok, já foi. Citado está. É certo que sempre houve um interesse expressivo também em Sherlock Holmes, Agatha Christie e companhia, no entanto, muitas vezes, reservado ao seu grupo exclusivo de apreciadores. Atualmente, como de praxe, a massa pasteurizada de produtos com este enfoque está com maior espaço, eu diria, todos os espaços das prateleiras. Uma das explicações para tal fenômeno, creio, não está muito longe.
A indústria cultural, sabe-se, apenas um mecanismo de toda esta engrenagem para fazer-nos crer que o mundo é maravilhoso e se você não concorda é um aborígene, procura oferecer – e consegue – todas as explicações sobre o mundo. Problemas no amor? Tome uma coca, compre um livro de auto-ajuda ou se acabe no shopping. Com dinheiro? “Como casais enriquecem juntos”. Felicidade? Veja um filme bem água-com-açúcar e ele te dirá. Relação humana? Psiquiatra (e um bem bonitão, igual ao do cinema). Problema social? Doação para ONG. Poderia discorrer aqui horas a fio os mecanismos de cerceamento das questões relevantes e, por ora, desconfortáveis que a indústria cultural, de alguma forma, tenta resolver, ou melhor, resolve aparentemente. Porém, por contradições próprias do sistema, tudo está explicado e, mesmo assim, as pessoas estão “descontentes”. Todos queriam explicação, agora a têm (os que se deixam crer) e, catso, simplesmente a-ca-bou a gra-ça. Como resolver isto, afinal, parar de consumir não podemos? Simples, tchan-ram, os enlatados que falei. Transporta-se a ânsia que mesmo o mais selvagem dos homens (se homem o for) tem, um dia, pelos “mistérios” entre o céu e a terra para as telas do cinema/televisão/computador. As “dúvidas” tornam-se compráveis, portanto controláveis e inofensivas. Não é um fenômeno nada novo, não é a primeira nem a última vez que acontece, porém, mesmo com todos os esforços de homogeneização e pasteurização do pensamento e dos homens, a indústria cultural ainda rebola para que o sistema supere suas próprias contradições. Tá, não foi um rebolado que exigiu muito esforço, mas, como disse, é uma constatação enquanto a gente vê a roda viva girar.
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