quinta-feira, 8 de junho de 2006

Mariane: apaixonada de Valère; Dorine: dama de companhia de Mariane; Valère: apaixonado de Mariane;
[Ao saber que a mão de Mariane está prometida a Tartufo, Valère encontra-se com Mariane e Dorine na sala]

Valère: Mariane, acabam de me dar uma notícia que eu não sabia e que é, sem dúvida, muito interessante.
Mariane: Qual?
Valère: Que você vai desposar Tartufo
Mariane: É certo que meu pai pôs esse plano na cabeça
Valère: Seu pai, Mariane...
Mariane: Mudou de opinião: ele mesmo acaba de mo dizer
Valère: Como? É sério?
Mariane: Sim, é sério. Declarou-se abertamente por esse casamento.
Valère: E qual o partido que tomará diante disso, senhora?
Mariane: Não sei.
Valère: A resposta é honesta. Não sabe?
Mariane: Não
Valère: Não?
Mariane: Que é que me aconselha a fazer?
Valère: Eu lhe aconselho a aceitar esse esposo.
Mariane: Você me aconselha isso?
Valère: Sim
Mariane: De verdade?
Valère: Sem dúvida: a escolha é gloriosa e vale a pena que seja aceita.
Mariane: Pois bem, senhor! Aceito seu conselho.
Valère: Não lhe será muito difícil segui-lo, ao que parece.
Mariane: Não mais do que foi em dá-lo, acho.
Valère: Eu o dei tão-somente para lhe ser agradável, senhora.
Mariane: E eu o seguirei para agradá-lo
Dorine: Vamos ver o que sairá disso
Valère: Então, é assim que se ama? E era para me enganar quando...
Mariane: Não falemos disso, por favor. Você me disse com toda franqueza que devo aceitar aquele que me impingem como esposo: e eu declaro que pretendo fazê-lo, pois é você que me dá conselho tão salutar.
Valère: Não venha desculpar-se com as minhas intenções. Você já havia tomado sua resolução e agora lança mão de um pretexto frívolo que a justifique por faltar à palavra.
Mariane: É verdade, muito bem dito.
Valère: Sem dúvida, e o seu coração nunca nutriu por mim verdadeiro amor.
Mariane: Ai de mim! É-lhe permitido ter tal pensamento.
Valère: Sim, sim, é permitido; mas minha alma ofendida talvez se lhe antecipe em projeto semelhante e sei muito bem onde levar meus sentimentos e minha mão.
Mariane: Ah! Não duvido, e os ardores que o mérito aviva...
Valère: Meu Deus, deixemos de lado o mérito: tenho muito pouco sem dúvida, a julgar pelo caso que faz dele. Mas espero que outra terá por mim muitas atenções e bem sei quem consentirá, de bom grado, em repara minha perda.
Mariane: Não é grande a perda; e você se conformará facilmente com a troca.
Valère: Farei o possível, e pode crê-lo. Coração que nos esquece nos lança um desafio e é preciso, para esquecê-lo, usar de todos os meios: se não se conseguir, deve-se pelo menos fingir. E não se perdoa nunca a covardia de demonstrar amor a quem nos abandona.
Mariane: Sem dúvida, tal sentimento é nobre e elevado.
Valère: Muito bem; e todos devem aprová-lo. Por acaso pretenderia você que eu conservasse eternamente na alma todo meu amor, vendo-a com meus próprios olhos passar para outros braços, sem dar a outra o coração que rejeita?
Mariane: Ao contrário; quanto a mim, é isso mesmo o que desejo. Gostaria que já fosse realidade.
Valère: Deseja mesmo?
Mariane: Sim
Valère: Basta de insultos, senhora, e desta maneira vou satisfazê-la. (Dá um passo para ir embora mas volta atrás)
Mariane: Muito bem.
Valère: Lembre-se ao menos que é a senhora mesma quem me obriga a dar esse passo extremo.
Mariane: Isso mesmo.
Valère: E que o desígnio que minha alma concebe segue exatamente seu exemplo.
Mariane: Meu exemplo, está certo.
Valère: Basta: no momento preciso, você vai ser servida.
Mariane: Tanto melhor.
Valère: Está vendo, é para toda vida.
Mariane: Até que enfim.
Valère: Ah! (Vai-se e, quando chega à porta, volta-se)
Mariane: Como?
Valère: Não me chamou?
Mariane: Eu? Está sonhando.
Valère: Muito bem! Continuo meu caminho. Adeus, senhora.
Mariane: Adeus, senhor.
Dorine: Quanto a mim, acho que vocês estão perdendo a cabeça com essa extravagância. E eu os deixei discutir até agora só para ver até onde podiam chegar. Ei! Senhor Valère ( Ela vai detê-lo pelo braço, mas ele fingi resistir)
Valère: Que é que você está querendo, Dorine?
Dorine: Venha cá.
Valère: Não, não, o despeito me domina. Não me faça voltar atrás naquilo que ela desejou.
Dorine: Pare.
Valère: Não está vendo? É caso resolvido.
Dorine: Ah!
Mariane: Ele não suporta minha presença e seria muito melhor que eu fosse embora.
Dorine (deixando Valère e correndo para Mariane): E você, para onde vai?
Mariane: Largue-me!
Dorine: É preciso voltar.
Mariane: Não, não, Dorine: é inútil querer me deter.
Valère: Vejo que minha presença é um suplício para ela e, sem dúvida, será muito melhor que eu vá embora.
Dorine (deixando Mariane e correndo para Valère): Outra vez? Que o diabo o carregue se deixar você ir embora! Acabem com essa brincadeira e venham cá os dois. (puxa-os, um para o outro)
Valère: Mas quais são tuas intenções?
Mariane: Que queres fazer?
Dorine: Que façam as pazes e saiam desse embaraço. Você está louco para brigar desta maneira?
Valère: Você não ouviu de que maneira ela falou comigo?
Mariane: Você está louca, ficando zangada assim? Não acompanhaste tudo? E viste como ele me tratou?
Dorine: Tolice de ambos os lados. Ela não quer outra coisa a não ser conservar-se fiel a você, pode estar certo. Você é a única para ele: não alimenta outro desejo senão o de ser seu esposo. Garanto-o com a minha vida.
Mariane: Por que então dar-me tal conselho?
Valère: Por que me interrogar sobre assunto semelhante?
Dorine: Vocês dois estão malucos. Vamos, a mão de um e de outro. Vamos, os dois.
Valère (dando a mão a Dorine): Para que dar a mão?
Dorine: Ah! Agora a sua.
Mariane (dando também a mão): Para que tudo isso?
Dorine: Meu Deus! Depressa, aproximem-se. Vocês gostam um do outro mais do que imaginam.
Valère: Mas não faça tudo isso com dificuldade e olhe pelo menos para mim sem ódio. (Mariane volta os olhos para Valère e esboça um sorriso)
Dorine: Para dizer-lhes a verdade, os apaixonados são mesmo malucos!

“Tartufo”, de Molière.

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