Menina estranha
No segundo ano de faculdade, minha maior inquietação era saber se tudo aquilo que interpretamos de um determinado livro, música ou poema – geralmente clássicos – o autor realmente pensou para escrever. As respostas variavam de acordo com a aproximação espiritual e afetiva das pessoas questionadas com o autor ou do “status intelectual” da obra na sociedade. Por exemplo, um Charles Baudelaire, com certeza (segundo algumas pessoas que possuem certa autoridade no assunto), pensou, re-pensou e re-re-pensou em cada artigo, adjetivo, advérbio, metáforas e metonímias; Chico Buarque, idem; João Cabral, idem e etc. Como disse, varia. Certas pessoas não acreditam que Victor Hugo tenha tanto “status” (desculpe, mas falta-me vocabulário para definir uma posição não limitada perdida numa nuvem grosseira de ego, mesquinharia, esnobismo e, raras vezes, crítica) assim como Fernando Novais e outras figuras não tão conhecidas assim. Há também quem tenha me dito que este questionamento é irrelevante.
Eu não tenho a mínima autoridade e, tampouco, autonomia no assunto, portanto só colhi opiniões, impressões e Pilatos – aqueles que dizem “eu acho porque gosto” e lava as mãos. O que diminuiu minha ânsia e, conseqüentemente, trouxe-me uma explicação um tanto pertinente, foi uma palestra.
Não necessariamente tu-do o que autor escreve, ele pensou numa interpretação segunda, terceira ou quarta. Porém, o trabalho de quem analisa minuciosamente um texto não é em vão, afinal, de uma forma ou de outra, o autor/obra é a expressão do seu tempo. E, a partir da imparcialidade que a distância do tempo e da própria obra (por não ser o autor) permite, podemos encontrar dados do inconsciente coletivo da época que não passaram, necessariamente, pelo crivo racional do escritor. Sendo assim, ao escarafunchar textos literários, da lagarta que come o tempo, pode nascer uma interpretação-borboleta e, melhor ainda, que voe sozinha.
No segundo ano de faculdade, minha maior inquietação era saber se tudo aquilo que interpretamos de um determinado livro, música ou poema – geralmente clássicos – o autor realmente pensou para escrever. As respostas variavam de acordo com a aproximação espiritual e afetiva das pessoas questionadas com o autor ou do “status intelectual” da obra na sociedade. Por exemplo, um Charles Baudelaire, com certeza (segundo algumas pessoas que possuem certa autoridade no assunto), pensou, re-pensou e re-re-pensou em cada artigo, adjetivo, advérbio, metáforas e metonímias; Chico Buarque, idem; João Cabral, idem e etc. Como disse, varia. Certas pessoas não acreditam que Victor Hugo tenha tanto “status” (desculpe, mas falta-me vocabulário para definir uma posição não limitada perdida numa nuvem grosseira de ego, mesquinharia, esnobismo e, raras vezes, crítica) assim como Fernando Novais e outras figuras não tão conhecidas assim. Há também quem tenha me dito que este questionamento é irrelevante.
Eu não tenho a mínima autoridade e, tampouco, autonomia no assunto, portanto só colhi opiniões, impressões e Pilatos – aqueles que dizem “eu acho porque gosto” e lava as mãos. O que diminuiu minha ânsia e, conseqüentemente, trouxe-me uma explicação um tanto pertinente, foi uma palestra.
Não necessariamente tu-do o que autor escreve, ele pensou numa interpretação segunda, terceira ou quarta. Porém, o trabalho de quem analisa minuciosamente um texto não é em vão, afinal, de uma forma ou de outra, o autor/obra é a expressão do seu tempo. E, a partir da imparcialidade que a distância do tempo e da própria obra (por não ser o autor) permite, podemos encontrar dados do inconsciente coletivo da época que não passaram, necessariamente, pelo crivo racional do escritor. Sendo assim, ao escarafunchar textos literários, da lagarta que come o tempo, pode nascer uma interpretação-borboleta e, melhor ainda, que voe sozinha.
Cara estranho
Dado isto, pus-me a pensar sobre os considerados “lixos” em massa que a nossa sociedade produz atualmente. Afinal, convenhamos, analisar textos e obras para entender um século de explosão intelectual é uma coisa, revirar as carcaças da produção cultural deste início de século “perdido” e “condenado” é outra. Sim, que me chamem de abutre, mas dirijo-me às produções terrenas com vontade, curiosidade e uma certa esperança. Pois a nostalgia pedante, a arrogância do culto e a soberba intelectual causam-me náuseas muito mais profundas de modo que, nem com esperança, vontade e, muito menos, curiosidade ouso bater minhas asas pretas em sua direção.
Isto posto (bingo para quem conseguiu ler até aqui), posso falar a respeito da música “Cara estranho” do Los Hermanos. Não estou aqui para julgar a qualidade musical, muito menos, a capacidade do compositor e, menos ainda, venerar ou subtrair qualquer atributo (bom ou ruim) da obra. Logo que ouvi, apesar de não ter entendido muita coisa além da primeira estrofe, percebi que há algo notável e latente: a música trata do indivíduo da sociedade moderna (se é eficiente ou não, deixo para vocês). Escolhi alguns trechos:
“Olha lá, que cara estranho que chegou
Parece não achar lugar
No corpo em que Deus lhe encarnou
[...]
Exibe à frente o coração
Que não divide com ninguém
Tem tudo sempre às suas mãos
Mas leva a cruz um pouco além
Talhando feito um artesão
A imagem de um rapaz de bem”
Já que autor/obra é expressão do seu tempo...
“Cara estranho...” faz referência à esquizofrenia, várias de nossas relações humanas, atualmente, são marcadas por algum traço esquizofrênico. O fato de “não achar lugar...” é uma das principais características do neurótico que não se encontra em si mesmo. Aliás, em outro trecho a música também diz “Periga nunca se encontrar/ será que ele vai perceber/ que foge sempre do lugar”.
Quando o autor diz “no corpo em que Deus lhe encarnou”, ele já aponta a influência da Igreja Católica (ou qualquer outra instância religiosa que tenha Cristo como crença, pois, mais à frente, ele se refere à cruz) na formação do indivíduo. No trecho “exibe à frente um coração”, podemos encontrar referência ao amor, sim, mas daqueles enlatados que se compra na loja Claro por R$ 49,90 com mil reais de ligação grátis como a própria música deixa nas entrelinhas. “Que não divide com ninguém”, narcisismo, ou seja, o amor a si mesmo. Isto soa familiar, não? Podemos todos comprar na loja Claro, mas a nota fiscal vai no seu nome, sa’qualé?
“Tem tudo sempre às suas mãos”, ora essa, isto dava um livro. Não tivemos um século com tantas, hum, “facilidades” em vários aspectos. Para os pouco abastados, crédito em abundância. Para os muito abastados, poder sobre os outros, cada vez maior. No plano tecnológico, nunca pudemos fazer tantas coisas com apenas um clique. Nunca foi tão fácil conseguir mulher, jogo, dinheiro e produto. Tudo virou mercadoria e, pior, comprável com cartão de crédito. Quanto aos nada abastados, tudo está negado desde que o capitalismo ascendeu.
“Mas leva a cruz um pouco além”. Arrá! Este trecho é um dos que mais gosto. O capitalismo é perverso, mas as pessoas não podem ser ou, pelo menos, parecer. Neste ponto, entra o ideal de auto-sacrifício e filantropia católica.
Está implícito que o cara estranho carrega uma cruz seja ela da sua própria existência, ou do peso social que carrega cada vez que compra um produto do shopping, ou da Igreja que trabalha o sentimento de culpa e pecado constantemente, ou, estrito senso, a própria cruz de Cristo. Esta linha de raciocínio segue ao longo do trecho “talhando feito um artesão”. A oposição ao que é industrial – “homo-faber” – remete o indivíduo a um estágio anterior da mercadoria, da indústria, enfim, àquele romantismo da produção artesanal “ingênua” e familiar. Ao talhar, com as mãos de um artesão, “a imagem de um rapaz de bem”, a música conclui, neste período, a formação do indivíduo no plano moral. Se o indivíduo tem que talhar esta imagem, isto significa que há um elemento de força contrária perverso e mal, no caso, o capitalismo ou a própria essência humana. Pois, de uma forma ou de outra, a música esclarece que este elemento contrário é uma “cruz” a ser carregada imbricando assim bem e mal, numa relação ambígua e dialética.
Deixo com vocês a segunda estrofe – também muito interessante. Posso adiantar que fala sobre o esforço do homem em relacionar-se socialmente, sobre a influência da TV (das imagens construídas que ditam comportamentos de massa) e otras cositas más.
Aumentem o som!
Isto posto (bingo para quem conseguiu ler até aqui), posso falar a respeito da música “Cara estranho” do Los Hermanos. Não estou aqui para julgar a qualidade musical, muito menos, a capacidade do compositor e, menos ainda, venerar ou subtrair qualquer atributo (bom ou ruim) da obra. Logo que ouvi, apesar de não ter entendido muita coisa além da primeira estrofe, percebi que há algo notável e latente: a música trata do indivíduo da sociedade moderna (se é eficiente ou não, deixo para vocês). Escolhi alguns trechos:
“Olha lá, que cara estranho que chegou
Parece não achar lugar
No corpo em que Deus lhe encarnou
[...]
Exibe à frente o coração
Que não divide com ninguém
Tem tudo sempre às suas mãos
Mas leva a cruz um pouco além
Talhando feito um artesão
A imagem de um rapaz de bem”
Já que autor/obra é expressão do seu tempo...
“Cara estranho...” faz referência à esquizofrenia, várias de nossas relações humanas, atualmente, são marcadas por algum traço esquizofrênico. O fato de “não achar lugar...” é uma das principais características do neurótico que não se encontra em si mesmo. Aliás, em outro trecho a música também diz “Periga nunca se encontrar/ será que ele vai perceber/ que foge sempre do lugar”.
Quando o autor diz “no corpo em que Deus lhe encarnou”, ele já aponta a influência da Igreja Católica (ou qualquer outra instância religiosa que tenha Cristo como crença, pois, mais à frente, ele se refere à cruz) na formação do indivíduo. No trecho “exibe à frente um coração”, podemos encontrar referência ao amor, sim, mas daqueles enlatados que se compra na loja Claro por R$ 49,90 com mil reais de ligação grátis como a própria música deixa nas entrelinhas. “Que não divide com ninguém”, narcisismo, ou seja, o amor a si mesmo. Isto soa familiar, não? Podemos todos comprar na loja Claro, mas a nota fiscal vai no seu nome, sa’qualé?
“Tem tudo sempre às suas mãos”, ora essa, isto dava um livro. Não tivemos um século com tantas, hum, “facilidades” em vários aspectos. Para os pouco abastados, crédito em abundância. Para os muito abastados, poder sobre os outros, cada vez maior. No plano tecnológico, nunca pudemos fazer tantas coisas com apenas um clique. Nunca foi tão fácil conseguir mulher, jogo, dinheiro e produto. Tudo virou mercadoria e, pior, comprável com cartão de crédito. Quanto aos nada abastados, tudo está negado desde que o capitalismo ascendeu.
“Mas leva a cruz um pouco além”. Arrá! Este trecho é um dos que mais gosto. O capitalismo é perverso, mas as pessoas não podem ser ou, pelo menos, parecer. Neste ponto, entra o ideal de auto-sacrifício e filantropia católica.
Está implícito que o cara estranho carrega uma cruz seja ela da sua própria existência, ou do peso social que carrega cada vez que compra um produto do shopping, ou da Igreja que trabalha o sentimento de culpa e pecado constantemente, ou, estrito senso, a própria cruz de Cristo. Esta linha de raciocínio segue ao longo do trecho “talhando feito um artesão”. A oposição ao que é industrial – “homo-faber” – remete o indivíduo a um estágio anterior da mercadoria, da indústria, enfim, àquele romantismo da produção artesanal “ingênua” e familiar. Ao talhar, com as mãos de um artesão, “a imagem de um rapaz de bem”, a música conclui, neste período, a formação do indivíduo no plano moral. Se o indivíduo tem que talhar esta imagem, isto significa que há um elemento de força contrária perverso e mal, no caso, o capitalismo ou a própria essência humana. Pois, de uma forma ou de outra, a música esclarece que este elemento contrário é uma “cruz” a ser carregada imbricando assim bem e mal, numa relação ambígua e dialética.
Deixo com vocês a segunda estrofe – também muito interessante. Posso adiantar que fala sobre o esforço do homem em relacionar-se socialmente, sobre a influência da TV (das imagens construídas que ditam comportamentos de massa) e otras cositas más.
Aumentem o som!
4 comentários:
A cada texto, me apaixono mais por você. Suas colocações assustam-me e encantam-me com a mesma intensidade.
Eita, começou o ano empolgada, neh, filha.
Eu gosto desta música e não tinha pensado em tanta coisa :OOO
Você vê agulha em palheiro, eu hein. ;)
Bjos
tenho medo de vc!
Hauhauhuahua
"Não sabe nem pra onde ir
Se alguém não aponta a direção"
Ah...lembrei:
"quem sabe faz a hora, não espera acontecer"
Hmmm...
"Será que ele vai perceber
Que foge sempre do lugar
Deixando o ódio se esconder"
...não se é somente Amor ou Ódio, né?
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