Como diria meu homeopata, mais uma de minhas idéias delirantes
Título: gostei. Capa: as cores são agradáveis. Foto: um menino expressivo.
Viro a caixinha. Sinopse: bem escrita e o roteiro parece interessante. Nacionalidade: espanhola. Resumo geral: vou levar.
Sabe aqueles filmes que têm tudo para gostarmos?! E que ainda seríamos capazes de apostar, sem ter visto ou ouvido falar, que a película será fascinante só de olhar para tudo aquilo lá em cima? Pois então, eis o meu caso para o filme “a língua das mariposas”. O cenário é a Espanha dos anos trinta, um pouco anterior à Guerra Civil. Trata-se da inocência perdida de um menino, Moncho, que, por meio de seu professor Don Gregório, se depara com um mundo cheio de descobertas, aconselho a assistirem. Pronto, acabei meu momento sinopse-divulgação.
A língua das mariposas, o filme explica, é uma tromba espiral desenrolada quando o inseto precisa sugar o néctar das flores. Um dia, me disseram (não, não é que as nuvens não eram de algodão) que a espiral é a representação do pensamento. E o diretor caminha bastante nesta vertente entre pensamento e liberdade. As questões suscitadas são profundamente trabalhadas como o estado de natureza, o instinto humano, os caminhos da razão, a descoberta do raciocínio; num grau maior, a República, o catolicismo, o fascismo, o anarquismo, o comunismo; e, evidentemente, as inter-relações entre estas variáveis na realidade espanhola da época. No entanto, nada que não possa ser facilmente aplicado ao nosso cotidiano e, acreditem, é isto que o faz um bom filme. Tudo muito bem articulado: a conversa do professor com os alunos durante um passeio no bosque; o enfoque na geometria espiral; os conflitos entre a mãe (católica) e o pai (republicano) de Moncho; os questionamentos sobre a morte, o amor, a verdade e “bem e mal” (no final). Por estas vias, o filme deixa várias “lições” (não no sentido moral, mas para reflexão) e, por um abalo positivo momentâneo da minha auto-estima como escritora, escolhi, aleatoriamente, uma delas para tratar aqui.
Atear-me-ei à língua do inseto – por ser o centro da narrativa, não acredito que tenha apenas esta interpretação – como uma proposta de atitude filosófica.
Para o ato de “desenrolar” a espiral, o diretor indica duas vias: sobrevivência (alimento) e prazer. Este, no caso do filme, pode ser entendido sob duas vertentes correlacionadas: o prazer “inocente” de sentir o sabor adocicado do néctar (o mestre faz referência à ação mergulhar os dedos molhados num monte de açúcar) e o prazer sexual implícito na forma ereta adquirida pela tromba e, principalmente, quando o menino “abandona” seu passeio com o professor para ver as meninas (dentre elas, sua amada) banhando-se nas águas do riacho. A linha que amarra esta atitude infantil à língua da mariposa é a flor, ou seja, o centro da representação, neste caso, da feminilidade, da fertilidade (polinização), da natureza e principal causa do “desenrolar”. Flor esta que o professor insiste a Moncho para que leve à menina, e ele o faz.
Para o ato de “enrolar” e assim tornar-se espiral, o filme explora a relação entre pensamento e liberdade. Num determinado momento, o docente enfatiza a importância do “enrolamento” para que o inseto voe e, em outro, comanda a seus alunos que “voem” para o conhecimento. E, para nós, nada mais próximo da idéia de “liberdade” do que a ação de voar. Para além desta aproximação, aparentemente, óbvia está a ação individual da mariposa em “libertar-se” da flor, trazer o pensamento (espiral) para dentro de si e “observar” a natureza sem comprometimento, arriscaria aqui, uma referência à autonomia. Como o inseto não voaria se não “enrolasse” (pensasse), a probabilidade dele ser caçado e “enjaulado” caso não o fizesse era evidente. Ou seja, se o inseto apenas desfrutasse dos prazeres e mantivesse-se ali naquele mundo restrito da flor, ele não “participaria da beleza natural” (palavras de Don Gregório); não usaria suas quatro asas (que pode ser relacionado à idéia de que não usamos nem 1/3 da nossa atividade cerebral); não teria noção da limitação do seu eixo “visual”; e seria facilmente “enjaulado” quase por vontade própria. Por outro lado, se o inseto apenas voasse, poderia até voar para muito muito longe, para um lugar aonde nem as próprias colegas mariposas chegaram, mas morreria antes de contemplar qualquer coisa, por falta de recursos de sobrevivência. Ou até mesmo, justamente por este motivo, nem chegasse tão longe assim, não teria “forças”. No entanto, antes mesmo de chegar neste limite, o inseto tenderia a voltar pela busca do prazer (também relacionado à necessidade de sobrevivência), aquilo a quem chamamos instinto.
No mais, meu instinto de escritora diz que eu já escrevi demais. Prefiro deixar a conclusão em suspense e em suspenso. Em suspense, para o debate. Em suspenso, porque ainda tenho que pensar muito sobre isto.
PS: Até onde pode ir uma adaptação? Eu li e vi “Bonequinha de Luxo” exatamente nesta ordem. Qual não foi minha surpresa quando, no filme, eles mudaram um dado, digamos, insignificante: o final. Bah! E não foi um detalhezinho do vestido que era para ser branco e virou rosa, a trama (no fim) virou ao contrário, exatamente, o oposto do final do livro. Como se, na adaptação de “Ninguém escreve ao Coronel”, chegassem as Forças Armadas num navio estrondoso, estourando champanhe, cantando o hino, clamando pelo Coronel para entregar-lhe a carta com todo o dinheiro corrigido, mais uma quantia inimaginável por indenização, uma medalha de condecoração e, de repente, o filho do ancião sairia de dentro do navio dançando a polca, dizendo que não havia sido morto “lá lá lá lá”, que era tudo armação porque seu galo tinha feito o maior sucesso no exército. Ok, empolguei-me com o final hollywoodiano do Coronel, mas, em “Bonequinha de Luxo”, foi quase isto. :D
Um comentário:
Uau, depois você não quer que seu homeopata diga que você tem idéias delirantes!! Hahahahha... até imagino sua cara! É a mesma, toda vez que alguém te julga "maluca", "doida" ou "louca"! Dê uma olhada no seu texto, olha até onde você foi! Isto porque você não concluiu (sorte sua, pq, com certeza, eu ia refutar)! E agora, dá licença, que vou "desenrolar minha língua" e relaxar num filme...
Abraços, linda!
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