Filáucia de uma impostora
“Escrever é estar no extremo de si mesmo” João Cabral
Bem queria eu escolher os temas dos posts aleatoriamente, estender a este blog minha eterna e constante intenção – e por que não presunção –, como jornalista, de escrever o que interessa a você, leitor. No entanto, nada mais individualista e palco do narcisismo do que este próprio veículo. E, para ajudar nesta minha indignação e constatação, Barthes afirma contundentemente que a escrita revolucionária (século XVIII) foi a forma mais pura – sem juízo de valor – de escrita.
“A escrita revolucionária foi esse gesto enfático que era o único a poder continuar o cadafalso cotidiano. O que hoje parece inchaço não era na época mais do que o tamanho da realidade. Essa escrita, que tem todos os sinais da inflação, foi uma escrita exata: jamais linguagem foi mais inverossímil e menos impostora”.
Hoje entendo o professor Alcir Pécora ao relatar “o inconfessável: escrever não é preciso”. Atualmente, presenciamos a forma mais impostora de escrita em todos os lugares. “Não parece haver nada relevante sendo escrito, e esta é a mais provável razão desse poço, desse mar de coisa escrita”, diz o professor, alguém discorda?
Se a escrita revolucionária “não era apenas a forma moldada a partir do drama; era também a sua consciência” (Barthes), a escrita contemporânea – e incluo a minha, principalmente, a minha – não tem drama, tampouco consciência. Isto não significa, óbvio, que não vivemos num drama (se não for pior do que o da revolução) e que algumas pessoas não têm consciência. Concordemos, tudo que temos visto, salvo raríssimas exceções às quais eu não pertenço, expressa um mundo que não se encaixa com a realidade, aliás não expressa nada, pura falácia.
Um dia, confesso, tive a derradeira convicção de que a linguagem jornalística, por ser pretensiosamente imparcial e “meramente” descritiva, poderia aproximar-se de uma forma “pura”. Não riam. Eu tinha esta convicção. E não era de todo longe. As escritas políticas do século XVIII, em grande parte, eram publicadas em jornais. Hoje, jornalismo é outro departamento. Inferior, dizem alguns. Mas é outro, pena. Não resta nada, em lugar nenhum, tampouco na literatura. E quem arrisca ousar não está dentro das normas, logo está fora do jogo. E, quem arrisca e consegue um “lugar ao sol”, é ousadia fajuta. Sem este vezo católico de quem é a culpa: “a culpa não é de ninguém”, ou “são os capitalistas malvados”, “o sistema que corrompe” e outras coisas. Não tem espaço mesmo. Fechou, entenderam? Closed.
Não sejamos tão injustos. Há espaço sim, com certeza, para demonstrar e, cada vez mais, ratificar a superficialidade que vivemos. Se tomarmos “superficialidade” como a expressão máxima do ethos da nossa sociedade, temos a escrita que merecemos: tão vaga, superficial, interesseira e individualista quanto nós.
No mais, sem espaço e capacidade para gesticular enfaticamente, fechamo-nos em nossos computadores particulares e escrevemos a partir de uma ótica egoísta. Revolucionar? Bem comum? CidadãoS? Democracia? Credo! Coisa de revolucionário, eu, hein.
Atrás dos panos tudo é passível de exposição, mas aos holofotes não é permitida a sombra da luz que vem dos bastidores. Apaguemos a lucidez dos camarins, onde as máscaras ainda não estão colocadas. E preparemo-nos, atores deste espetáculo real, pois, de luzes ligadas, voz articulada, coração disparado, trajes apropriados, e hipocrisia encaixada, começo mais um texto.
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Para uma anime dicotômica:
Não por mim, pelo teu rosto
que encontrei nas mãos do vento.
Pensas que te está beijando,
e eu sei que te vai corroendo.
Não por mim, pelas palavras
que o teu lábio está dizendo.
Pensas que as fico escutando
e escuto é o teu pensamento.
Não por mim, mas por ti choro,
-- por teu pálido momento.
Vou-te dando a vida toda,
e assim mesmo vais morrendo...
Cecília Meireles
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