Deram-me lentes e vi um mundo doente
7:45hs
"Aaaaaaahhh! Socorro! Minha bolsa! Aaaaa! Levaram minha bolsa. Filho da puta! Olha lá, ele está correndo! Minha bolsa... pega!!! [choro]"
Acordei ao som destes gritos, uma mulher foi assaltada na porta do prédio em frente. Eu e todos os moradores deste e do meu edifício saíram às suas respectivas janelas para verificar o que ocorria. Tive a rara oportunidade de conhecer meus vizinhos:
Uma família -- pai, mãe e três crianças assistiam à cena do assalto amaçarocados na janela, como se disputassem um lugar no sofá para assistir à novela das oito; um ancião de expressões profundas, sulcos marcantes no rosto, mantinha os cansados olhos baixos e parecia ter a certeza de que aquilo, mais dia ou menos dia, ia acontecer. Quando nossos olhares encontraram-se, eu li em sua face um convicto "não disse?"; um jovem, preparando-se para sair ao trabalho, arrumava a gravata, impassível. Estava ali por acaso, sequer notara o que acabava de acontecer; dois recém-casados (vi-os chegar com o carro todo enfeitado, pintado e latinhas penduradas na traseira) debatiam fervorosa e preocupadamente o fato. O rapaz segurava um telefone na mão e descrevia o acontecimento para, ao que parecia ser, a polícia, enquanto a garota ia em seu encalço também desconsolada; uma senhora, rindo discreta e desdenhosamente, chamou-me a atenção, pois eu estava certa de que a encontraria, pouco tempo depois, entre as portarias dos prédios (cuja distância é uma rua bem estreita) contando todos os pormenores a qualquer morador que passasse por ali.
E assim incluo mais pessoas comuns no meu armário de conhecidos e, claro, alguns olhavam, de alguma forma, pra mim, afinal eu encontrava-me numa mistura assustadora: espanto com os gritos, rosto amassado pelo travesseiro, espasmo pelo cenário total da vizinhança e incômodo, muito incômodo, quase um tormento pelo diagnóstico que tal fato é possível, a partir somente desta pontícula do Iceberg.
10:30hs
Parei numa esquina e esperava o semáforo de pedestre abrir. De repente, Blam! Péim! Plec! Pow! Pow! Trec! Péim! Plec! Póft!, uma mulher destruía um orelhão ao meu lado. Ela agarrou o fone com todas as forças possíveis e batia violentamente no aparelho, puxou o fio e foi detonando tudo, sem menear, nem pestanejar e sem receio de quem estivesse olhando. Como eu era a pessoa mais próxima, ela virou-se pra mim e disse: "Só não quero que me façam de palhaça! Esta merda de Telefonica!! Fui lá reclamar que o orelhão engoliu meu cartão, veja, o orelhão que tem em frente de casa e eles, além de não me pagarem pelo dinheiro perdido, disseram que não existia telefone público no meu endereço!! É dinheiro, moça! Eu trabalho e estes cretinos ficam rindo da minha cara e esta porcaria de Procon não serve pra nada! Eu não gosto de destruir as coisas, nem é da minha índole. Mas palhaça eu não sou...!!".
Eu ouvia e concordava, quase disse a ela que daria uma ajuda com uns pontapés, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela acrescentou: "e que venha a polícia aqui! Eu quero que eles venham, cadê? Eles só prendem os pobre-coitados inocentes que têm medo deles. O Marcola, o PCC, o Beira-Mar tudo manda eles irem se fuder (sic) e estão aí... soltos ou com cela de luxo. Eu destruo mesmo... quero ver alguém aparecer...". O sinal abriu, perguntei à mulher se não queria atravessar comigo, ela agradeceu, mas negou minha oferta, disse-me que tinha um serviço a terminar. Desejei-lhe boa sorte [sem ironia] e continuei meu caminho...
Ai que inveja... e vontade.
Bom, assim começou o dia de hoje, depois de ter ido dormir com as palavras de Fidel na cabeça (pendurei uma matéria da Folha e outra do Estado na porta do meu quarto). Esta história de enxergar melhor com meus novos óculos está trazendo resultados... preciso articular-me, agora, para conseguir uns braços e umas pernas de ferro.
O dia ainda não acabou, falta presenciar uma agência bancária explodindo, ou então a ação de alguma versão brasileira de Edukators... mas sem perder a ternura jamais.
7:45hs
"Aaaaaaahhh! Socorro! Minha bolsa! Aaaaa! Levaram minha bolsa. Filho da puta! Olha lá, ele está correndo! Minha bolsa... pega!!! [choro]"
Acordei ao som destes gritos, uma mulher foi assaltada na porta do prédio em frente. Eu e todos os moradores deste e do meu edifício saíram às suas respectivas janelas para verificar o que ocorria. Tive a rara oportunidade de conhecer meus vizinhos:
Uma família -- pai, mãe e três crianças assistiam à cena do assalto amaçarocados na janela, como se disputassem um lugar no sofá para assistir à novela das oito; um ancião de expressões profundas, sulcos marcantes no rosto, mantinha os cansados olhos baixos e parecia ter a certeza de que aquilo, mais dia ou menos dia, ia acontecer. Quando nossos olhares encontraram-se, eu li em sua face um convicto "não disse?"; um jovem, preparando-se para sair ao trabalho, arrumava a gravata, impassível. Estava ali por acaso, sequer notara o que acabava de acontecer; dois recém-casados (vi-os chegar com o carro todo enfeitado, pintado e latinhas penduradas na traseira) debatiam fervorosa e preocupadamente o fato. O rapaz segurava um telefone na mão e descrevia o acontecimento para, ao que parecia ser, a polícia, enquanto a garota ia em seu encalço também desconsolada; uma senhora, rindo discreta e desdenhosamente, chamou-me a atenção, pois eu estava certa de que a encontraria, pouco tempo depois, entre as portarias dos prédios (cuja distância é uma rua bem estreita) contando todos os pormenores a qualquer morador que passasse por ali.
E assim incluo mais pessoas comuns no meu armário de conhecidos e, claro, alguns olhavam, de alguma forma, pra mim, afinal eu encontrava-me numa mistura assustadora: espanto com os gritos, rosto amassado pelo travesseiro, espasmo pelo cenário total da vizinhança e incômodo, muito incômodo, quase um tormento pelo diagnóstico que tal fato é possível, a partir somente desta pontícula do Iceberg.
10:30hs
Parei numa esquina e esperava o semáforo de pedestre abrir. De repente, Blam! Péim! Plec! Pow! Pow! Trec! Péim! Plec! Póft!, uma mulher destruía um orelhão ao meu lado. Ela agarrou o fone com todas as forças possíveis e batia violentamente no aparelho, puxou o fio e foi detonando tudo, sem menear, nem pestanejar e sem receio de quem estivesse olhando. Como eu era a pessoa mais próxima, ela virou-se pra mim e disse: "Só não quero que me façam de palhaça! Esta merda de Telefonica!! Fui lá reclamar que o orelhão engoliu meu cartão, veja, o orelhão que tem em frente de casa e eles, além de não me pagarem pelo dinheiro perdido, disseram que não existia telefone público no meu endereço!! É dinheiro, moça! Eu trabalho e estes cretinos ficam rindo da minha cara e esta porcaria de Procon não serve pra nada! Eu não gosto de destruir as coisas, nem é da minha índole. Mas palhaça eu não sou...!!".
Eu ouvia e concordava, quase disse a ela que daria uma ajuda com uns pontapés, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela acrescentou: "e que venha a polícia aqui! Eu quero que eles venham, cadê? Eles só prendem os pobre-coitados inocentes que têm medo deles. O Marcola, o PCC, o Beira-Mar tudo manda eles irem se fuder (sic) e estão aí... soltos ou com cela de luxo. Eu destruo mesmo... quero ver alguém aparecer...". O sinal abriu, perguntei à mulher se não queria atravessar comigo, ela agradeceu, mas negou minha oferta, disse-me que tinha um serviço a terminar. Desejei-lhe boa sorte [sem ironia] e continuei meu caminho...
Ai que inveja... e vontade.
Bom, assim começou o dia de hoje, depois de ter ido dormir com as palavras de Fidel na cabeça (pendurei uma matéria da Folha e outra do Estado na porta do meu quarto). Esta história de enxergar melhor com meus novos óculos está trazendo resultados... preciso articular-me, agora, para conseguir uns braços e umas pernas de ferro.
O dia ainda não acabou, falta presenciar uma agência bancária explodindo, ou então a ação de alguma versão brasileira de Edukators... mas sem perder a ternura jamais.
Um comentário:
Que azar... ou seria sorte... ah, sei lá.
Mas que coisas estranhas acontecem com você, hein? Lembre-me de não andar mais com você, quem sabe suas previsões tornem-se realidade... se bem que seria no mínimo interessante presenciar coisas estranhas para quebrar a monotonia do dia-a-dia...
Beijo.
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