Sobre a rosa do meu vaso
Na cozinha de casa há dois botões de rosa numa garrafa d’água. Quando cheguei, olhei bem para eles. Faz exatamente dois dias que as flores estão sobre a pia, portanto já perderam aquele vigor intenso, típico das rosas vermelhas; elas já estão prostradas e no início do processo de murchidão. O tempo também passa para e pelas rosas.
Abri o armário, peguei uma bolacha e, em meio àquele estado letárgico de saciação quase infantil, passei a fitá-las. Uma ponta de alegria invadiu-me a alma quando notei que uma pétala afastara-se sutilmente de um dos botões. No entanto, o outro, parece-me, desistiu de caminhar pela saga do desabrochar e encontrava-se literalmente de costas para mim, sisudo, carrancudo e introspectivo. Com este não havia papo, decidiu-se virar e esperar os dias restantes para o destino nefasto de todos os seres vivos.
Com meia bolacha na mão, aproximei-me mais e observei, através de meus olhos de lince hipermetrope, a astúcia da pétala. Não deveria tê-lo feito. Num súbito, incorreu-me a possibilidade de, ao ver o estado moribundo da rosa, ser um fator secundário: num determinado momento, alguém passou por ali, esbarrou a mão e ocasionou o deslocamento daquele pedaço da corola do centro condensado; portanto, a cena que acabara de me encantar não teria um centésimo do lirismo que lhe atribuiria se continuasse persuadida pela idéia de “esforço sobrenatural” para o abrolho. Afastei-me um pouco para ter certeza de que aquilo não era resultado de uma aproximação exagerada. De fato: em relação ao botão carrancudo, a rosa lírica avançou de forma significativa. O corolífero, todo aberto, aguardava servilmente o pouso das pétalas em seus braços. Estas, por sua vez, já tinham perdido o caráter condensado de botão e a flor iniciara a saída de seu estado casuloso, mesmo com o aspecto cansado, pétalas enrugadas e folhas amareladas.
Será que o botão carrancudo sabia de seu destino e desistira de tudo? Será que a rosa lírica era uma alienada e perdia seu tempo? Será que a lírica sabia, mas era irônica? Será que o sisudo não sabia e, por isso, não se preocupava em desabrochar logo? Será que o sisudo inveja o abrolhar da regalada? Ou acha-o desperdício de energia? Será que a regalada tem dó do carrancudo? Ou abriu-se para atacá-lo? Eles se “vêem” ou são fatores isolados? Por que uma abriu, o outro não? Por que o tempo passou tão diferente para os dois? Por que...? Será...?
Terminei a bolacha e, sem desviar os olhos, peguei um copo d’água. O líquido tonificava meu corpo do adoçamento, enquanto pus-me novamente a pensar que ambos, em pouco tempo, estariam ressequidos, amarronzados e mortos. E dei a questão por encerrada com o último gole.
Na cozinha de casa há dois botões de rosa numa garrafa d’água. Quando cheguei, olhei bem para eles. Faz exatamente dois dias que as flores estão sobre a pia, portanto já perderam aquele vigor intenso, típico das rosas vermelhas; elas já estão prostradas e no início do processo de murchidão. O tempo também passa para e pelas rosas.
Abri o armário, peguei uma bolacha e, em meio àquele estado letárgico de saciação quase infantil, passei a fitá-las. Uma ponta de alegria invadiu-me a alma quando notei que uma pétala afastara-se sutilmente de um dos botões. No entanto, o outro, parece-me, desistiu de caminhar pela saga do desabrochar e encontrava-se literalmente de costas para mim, sisudo, carrancudo e introspectivo. Com este não havia papo, decidiu-se virar e esperar os dias restantes para o destino nefasto de todos os seres vivos.
Com meia bolacha na mão, aproximei-me mais e observei, através de meus olhos de lince hipermetrope, a astúcia da pétala. Não deveria tê-lo feito. Num súbito, incorreu-me a possibilidade de, ao ver o estado moribundo da rosa, ser um fator secundário: num determinado momento, alguém passou por ali, esbarrou a mão e ocasionou o deslocamento daquele pedaço da corola do centro condensado; portanto, a cena que acabara de me encantar não teria um centésimo do lirismo que lhe atribuiria se continuasse persuadida pela idéia de “esforço sobrenatural” para o abrolho. Afastei-me um pouco para ter certeza de que aquilo não era resultado de uma aproximação exagerada. De fato: em relação ao botão carrancudo, a rosa lírica avançou de forma significativa. O corolífero, todo aberto, aguardava servilmente o pouso das pétalas em seus braços. Estas, por sua vez, já tinham perdido o caráter condensado de botão e a flor iniciara a saída de seu estado casuloso, mesmo com o aspecto cansado, pétalas enrugadas e folhas amareladas.
Será que o botão carrancudo sabia de seu destino e desistira de tudo? Será que a rosa lírica era uma alienada e perdia seu tempo? Será que a lírica sabia, mas era irônica? Será que o sisudo não sabia e, por isso, não se preocupava em desabrochar logo? Será que o sisudo inveja o abrolhar da regalada? Ou acha-o desperdício de energia? Será que a regalada tem dó do carrancudo? Ou abriu-se para atacá-lo? Eles se “vêem” ou são fatores isolados? Por que uma abriu, o outro não? Por que o tempo passou tão diferente para os dois? Por que...? Será...?
Terminei a bolacha e, sem desviar os olhos, peguei um copo d’água. O líquido tonificava meu corpo do adoçamento, enquanto pus-me novamente a pensar que ambos, em pouco tempo, estariam ressequidos, amarronzados e mortos. E dei a questão por encerrada com o último gole.
Um comentário:
Não tenho nada de interessante para comentar, apenas que gostei do texto.
Seu novo estilo está produzindo textos legais :)
Beijo.
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