Meus heróis estão morrendo de overdose capitalista
Escrevo aqui na condição de fã, admiradora, adepta ou seja lá como queiram denominar. Não estou me abdicando de todas as “acusações” (se é que hoje em dia isto é uma acusação, se não uma “normalidade”) que serão feitas. Mas, como me considero protegida por este status, hum, café-com-leite – meus “mestres” podem muito bem se defender (poucas ou muitas vezes, acertadamente) ao apontar minha falta de conhecimento, de cultura, de experiência, de inteligência e retirar os créditos da minha crítica – aqui nada mais vai do que uma constatação, ou melhor, uma observação amadora.
Quando somos crianças, sempre elegemos alguém como ídolo. Freud explica (claro, o que ele não explica?!) e começa a lista: pai e mãe. Depois disto, somos, no meu caso (e acredito que na maioria das pessoas da minha geração), bombardeados por desenhos, programas, rostinhos bonitos, mocinha educada chamando-nos de baixinho, outra morena cantando “Jesus Cristo”, changemans, flashmans, comandos em ação e outras tranqueiras comerciais. Mas não é disso que estou falando. Quando esta fase passa (e para alguns isto leva muito tempo, quando não leva nenhum, ou seja, não passa), elegemos outros. Daí, a tendência é sermos mais críticos, pois tudo passa a se dar no campo da identificação: seja política, cultural, social, econômica. E, da eleição à militância, quando se está na faculdade, é, tecnicamente, um pulo. Mas, por motivos externos óbvios e outros internos obscuros, na minha faculdade, chegar à militância é considerado praticamente um desvio de comportamento; um erro estratégico. De qualquer forma, não cheguei à militância (ainda), mas adotei “mentores intelectuais” (que eles não se sintam encabulados) para orientar meu fluxo de pensamento; por me identificar com suas idéias, por lhes atribuir a imagem de um “porto seguro” argumentativo e outras centenas variáveis inconscientes que determinam tais escolhas.
Eis o ponto de virada: eles estão morrendo. Ou, pelo menos, alguns deles – o que já me preocupa, pois são poucos. O meu fascínio, a minha admiração começa a implodir, sim, um movimento interno de autodestruição que, dos escombros, eu ainda tento encontrar alguma peça importante para a formação de uma outra – fragmentada, híbrida e esquizofrênica – utopia de horizonte ideal. Por que isto acontece? Overdose capitalista. Estou passando a perceber cada vez mais em seus discursos, atitudes, comportamentos, colocações a influência furiosa desse universo maldito. Não, não me considero completamente alheia ao sistema, tampouco superior aos meus “ídolos”, nem esperava que eles fossem “perfeitos”, mas a dosagem é absurda! A ponto de utilizar a própria cultura e inteligência como meio único e exclusivo de ganhar dinheiro. Não há nenhuma preocupação crítica com a situação da sociedade, muito menos em mudá-la, ou em pensar sobre qualquer coisa que não tenha um fim comercial e/ou pessoal. Digamos, o ápice do utilitarismo e do exibicionismo. Este é um exemplo, eu citaria vários, como o apego inconsciente tão forte a um bem material que se tornou, quase literalmente, uma extensão física do corpo. Ou a deturpação completa de seus preceitos (que a pessoa mesmo considera) éticos e morais para alcançar uma promoção social. Para entrar na onda, eu diria que, como desperdício, é eficientíssimo.
Por outro lado, ainda bem, há os eternos enquanto duram. Aqueles que construíram uma base sólida, coerente e, façam o que fizerem, digam o que disserem, estarão sempre cada vez mais vivos na minha formação e no meu horizonte.
Enquanto isto, no lustre do castelo, descubro novos ídolos que, literalmente, já estão mortos, mas suas idéias são tão vivas quanto os mortos de overdose; e começam a esboçar alguma “anime” no meu gaveteiro mental. Bom, para os que optaram pelo caixão e a vela preta, meus pêsames. Para quem fica, aguardem-me, ainda voltarei. E para os literalmente mortos: ressuscitai-vos, por favor!
5 comentários:
Mas isso já era de se esperar, não? Não é de hoje que o dinheiro passou a ser considerado mais importante que o amor pelo conhecimento. E a situação está piorando. O consumismo cresce cada vez mais. As pessoas trabalham e trabalham para obter coisas que não precisam, não tem mais tempo para refletir, para observar, para pensar. Nesse contexto, é natural que o conhecimento se torne apenas mais um produto. Pessoas compram conhecimento (ou acham que compram-no) em faculdades fazem conhecimento (ou fazem as outras pensar que é conhecimento) apenas para ganhar dinheiro, para aumentar seu poder de consumo e continuar o ciclo. Natural portanto, que a maioria dos seus ídolos esteja no passado, na época em que as pessoas pensavam por prazer. Mas nem tudo está perdido, afinal, ainda existem pessoas que pensam como você :)
Desculpe minha viagem nesse comentário, acabei me empolgando. Espero não ter falado muita besteira :p
É,Antonio, tudo corrompido, concordo contigo. Obrigada pelo elogio "gente que pensa", mas também tenho muito fardo destes valores e ainda falta-me muita autonomia para chegar sequer (intelectualmente) perto dos meus "heróis mortos de overdose" chegaram (daí minha posição de "fã", pq, afinal, nem todos os fãs do Ronaldinho, quando o criticam, jogam tão bem quanto ele -- se bobear, nem sabem jogar futebol). No mais, a crise de overdose é mais da minha visão em relação a eles, pq, já que os adotei, é pq eles diziam ser radicalmente contra isto e... bem... já foi explicado. É mais uma decepção de fã.
E você não viajou, pelo contrário, já disse que depois de engenharia vc vai pra filosofia!! E, com certeza, vai me dar muitas aulas ;)
Por enquanto, fico com as de matemática... hehehehe!!
Beijos e sua presença é sempre bem-vinda :D
Não falei que você não cometia os mesmo erros, nem que era melhor que eles, afinal, como ser humano, você possui os defeitos da espécie. Mas o fato de ter consciência de seus erros já é um grande avanço :)
Espero te encontrar semana que vem pra gente conversar mais :)
Bjo.
Ana Clara,
sua indignação também é de todos aqueles que buscam a liberdade na consciencia. Sinto a cada dia que somos frutos de uma geração perdida, de uma geração atávica.
Eu preferia o tempo em que as idéias ainda eram ideologias - não sei o que fazer para que as minhas próprias idéias também não virem mercadorias.
Olá, Patrícia. Bem-vinda ao blog!! A cada dia que passo tenho mais argumentos para legitimar o seu "sentimento" de que pertencemos a uma geração perdida, infelizmente. Mas isto já é dado. Pior é saber que estamos perdidos, no mínimo, há umas duas gerações (há quem diga há mais de dois séculos). Até a mercadoria, diria Marx, é ideologia ou, pelo menos, está carregada dela. Teríamos que voltar num tempo muito anterior, tirar todas as nossas "cascas" do tempo e civilização (como diria o Silvio Rosa falando sobre Rousseau, aquilo que nos faz sentir confortáveis dentro de uma calça "jeans") para podermos começar a conceber o que é liberdade de consciência. No mais, ficamos aqui... eu, você, o Antonio (e outras raríssimas pessoas da nossa geração) seguindo alguma luz no fim do túnel...
Não desistamos, um dia conseguiremos... pelo menos, um espaço para reflexão estamos tentando abrir... ;))) e ainda temos bastante tempo para afinar o pensamento.
Beijos e muito obrigada pelo comentário!
Abraços!!
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