terça-feira, 20 de junho de 2006

Meus heróis estão morrendo de overdose capitalista


Escrevo aqui na condição de fã, admiradora, adepta ou seja lá como queiram denominar. Não estou me abdicando de todas as “acusações” (se é que hoje em dia isto é uma acusação, se não uma “normalidade”) que serão feitas. Mas, como me considero protegida por este status, hum, café-com-leite – meus “mestres” podem muito bem se defender (poucas ou muitas vezes, acertadamente) ao apontar minha falta de conhecimento, de cultura, de experiência, de inteligência e retirar os créditos da minha crítica – aqui nada mais vai do que uma constatação, ou melhor, uma observação amadora.

Quando somos crianças, sempre elegemos alguém como ídolo. Freud explica (claro, o que ele não explica?!) e começa a lista: pai e mãe. Depois disto, somos, no meu caso (e acredito que na maioria das pessoas da minha geração), bombardeados por desenhos, programas, rostinhos bonitos, mocinha educada chamando-nos de baixinho, outra morena cantando “Jesus Cristo”, changemans, flashmans, comandos em ação e outras tranqueiras comerciais. Mas não é disso que estou falando. Quando esta fase passa (e para alguns isto leva muito tempo, quando não leva nenhum, ou seja, não passa), elegemos outros. Daí, a tendência é sermos mais críticos, pois tudo passa a se dar no campo da identificação: seja política, cultural, social, econômica. E, da eleição à militância, quando se está na faculdade, é, tecnicamente, um pulo. Mas, por motivos externos óbvios e outros internos obscuros, na minha faculdade, chegar à militância é considerado praticamente um desvio de comportamento; um erro estratégico. De qualquer forma, não cheguei à militância (ainda), mas adotei “mentores intelectuais” (que eles não se sintam encabulados) para orientar meu fluxo de pensamento; por me identificar com suas idéias, por lhes atribuir a imagem de um “porto seguro” argumentativo e outras centenas variáveis inconscientes que determinam tais escolhas.
Eis o ponto de virada: eles estão morrendo. Ou, pelo menos, alguns deles – o que já me preocupa, pois são poucos. O meu fascínio, a minha admiração começa a implodir, sim, um movimento interno de autodestruição que, dos escombros, eu ainda tento encontrar alguma peça importante para a formação de uma outra – fragmentada, híbrida e esquizofrênica – utopia de horizonte ideal. Por que isto acontece? Overdose capitalista. Estou passando a perceber cada vez mais em seus discursos, atitudes, comportamentos, colocações a influência furiosa desse universo maldito. Não, não me considero completamente alheia ao sistema, tampouco superior aos meus “ídolos”, nem esperava que eles fossem “perfeitos”, mas a dosagem é absurda! A ponto de utilizar a própria cultura e inteligência como meio único e exclusivo de ganhar dinheiro. Não há nenhuma preocupação crítica com a situação da sociedade, muito menos em mudá-la, ou em pensar sobre qualquer coisa que não tenha um fim comercial e/ou pessoal. Digamos, o ápice do utilitarismo e do exibicionismo. Este é um exemplo, eu citaria vários, como o apego inconsciente tão forte a um bem material que se tornou, quase literalmente, uma extensão física do corpo. Ou a deturpação completa de seus preceitos (que a pessoa mesmo considera) éticos e morais para alcançar uma promoção social. Para entrar na onda, eu diria que, como desperdício, é eficientíssimo.
Por outro lado, ainda bem, há os eternos enquanto duram. Aqueles que construíram uma base sólida, coerente e, façam o que fizerem, digam o que disserem, estarão sempre cada vez mais vivos na minha formação e no meu horizonte.
Enquanto isto, no lustre do castelo, descubro novos ídolos que, literalmente, já estão mortos, mas suas idéias são tão vivas quanto os mortos de overdose; e começam a esboçar alguma “anime” no meu gaveteiro mental. Bom, para os que optaram pelo caixão e a vela preta, meus pêsames. Para quem fica, aguardem-me, ainda voltarei. E para os literalmente mortos: ressuscitai-vos, por favor!

5 comentários:

Anônimo disse...

Mas isso já era de se esperar, não? Não é de hoje que o dinheiro passou a ser considerado mais importante que o amor pelo conhecimento. E a situação está piorando. O consumismo cresce cada vez mais. As pessoas trabalham e trabalham para obter coisas que não precisam, não tem mais tempo para refletir, para observar, para pensar. Nesse contexto, é natural que o conhecimento se torne apenas mais um produto. Pessoas compram conhecimento (ou acham que compram-no) em faculdades fazem conhecimento (ou fazem as outras pensar que é conhecimento) apenas para ganhar dinheiro, para aumentar seu poder de consumo e continuar o ciclo. Natural portanto, que a maioria dos seus ídolos esteja no passado, na época em que as pessoas pensavam por prazer. Mas nem tudo está perdido, afinal, ainda existem pessoas que pensam como você :)
Desculpe minha viagem nesse comentário, acabei me empolgando. Espero não ter falado muita besteira :p

Ana Clara disse...

É,Antonio, tudo corrompido, concordo contigo. Obrigada pelo elogio "gente que pensa", mas também tenho muito fardo destes valores e ainda falta-me muita autonomia para chegar sequer (intelectualmente) perto dos meus "heróis mortos de overdose" chegaram (daí minha posição de "fã", pq, afinal, nem todos os fãs do Ronaldinho, quando o criticam, jogam tão bem quanto ele -- se bobear, nem sabem jogar futebol). No mais, a crise de overdose é mais da minha visão em relação a eles, pq, já que os adotei, é pq eles diziam ser radicalmente contra isto e... bem... já foi explicado. É mais uma decepção de fã.
E você não viajou, pelo contrário, já disse que depois de engenharia vc vai pra filosofia!! E, com certeza, vai me dar muitas aulas ;)
Por enquanto, fico com as de matemática... hehehehe!!
Beijos e sua presença é sempre bem-vinda :D

Anônimo disse...

Não falei que você não cometia os mesmo erros, nem que era melhor que eles, afinal, como ser humano, você possui os defeitos da espécie. Mas o fato de ter consciência de seus erros já é um grande avanço :)
Espero te encontrar semana que vem pra gente conversar mais :)
Bjo.

Anônimo disse...

Ana Clara,

sua indignação também é de todos aqueles que buscam a liberdade na consciencia. Sinto a cada dia que somos frutos de uma geração perdida, de uma geração atávica.

Eu preferia o tempo em que as idéias ainda eram ideologias - não sei o que fazer para que as minhas próprias idéias também não virem mercadorias.

Ana Clara disse...

Olá, Patrícia. Bem-vinda ao blog!! A cada dia que passo tenho mais argumentos para legitimar o seu "sentimento" de que pertencemos a uma geração perdida, infelizmente. Mas isto já é dado. Pior é saber que estamos perdidos, no mínimo, há umas duas gerações (há quem diga há mais de dois séculos). Até a mercadoria, diria Marx, é ideologia ou, pelo menos, está carregada dela. Teríamos que voltar num tempo muito anterior, tirar todas as nossas "cascas" do tempo e civilização (como diria o Silvio Rosa falando sobre Rousseau, aquilo que nos faz sentir confortáveis dentro de uma calça "jeans") para podermos começar a conceber o que é liberdade de consciência. No mais, ficamos aqui... eu, você, o Antonio (e outras raríssimas pessoas da nossa geração) seguindo alguma luz no fim do túnel...
Não desistamos, um dia conseguiremos... pelo menos, um espaço para reflexão estamos tentando abrir... ;))) e ainda temos bastante tempo para afinar o pensamento.
Beijos e muito obrigada pelo comentário!
Abraços!!