segunda-feira, 10 de julho de 2006


“Os Deuses, que não perdem jamais uma oportunidade de ferir, de contrariar e de destruir a qualidade da vida humana, ficam totalmente desconcertados se, apesar de tudo, nos comportamos como grandes damas” Virginia Woolf.

Você deve estar se perguntando o que faz o desenho de um astronauta sobre uma legenda tão assaz auto-explicativa como esta.
Nem eu sei direito porque estas duas imagens aproximaram-se tanto em minha cabeça, mas cá estou para explicar o inconveniente. Eu poderia deixá-las aqui, ao léu, e esperar a sua boa vontade em entender, seja lá o que for, o significado disto. Como, para isso, teria que apostar demais na sua confiança em mim, preferi não arriscar; outra saída era largá-las aqui também e você ter a plena certeza de que, como diria uma amiga, eu “bato fora da caixinha”. Na prova dos nove, voilá moi!.
Creio que a relação entre as imagens se dá – primeira, superficial e claramente – entre a oposição masculino-feminino. Explico: o astronauta é um elemento essencialmente masculino (notem: não de masculinidade). É raro associarmos uma expedição à lua com mulheres na tripulação. Não nego a possibilidade, claro, para acalmar os instintos primitivos das feministas arrivistas mais engajadas, de que haja, atualmente, um grande contingente de missões com “damas”, mas isto não muda em nada o cerne significativo a que remete a figura do astronauta; no que tange à legenda, como já disse no início, ela fecha-se em si mesma. Para não ficar tão deslocada de seu contexto específico, acrescento que o trecho foi retirado de um livro que trata da ambição feminina no século XVIII.
Outro ponto de encontro está na proximidade entre o “lugar” do astronauta e o primeiro sujeito de Virginia Woolf. Para além de concepções particulares de onde ficam (ficariam) os Deuses, sua imagem está aliada a algo superior seja geográfica ou metafisicamente. De todo modo, tanto o astronauta quanto os Deuses não se encontram neste mundo. O astronauta, óbvio, literal, e os Deuses metaforicamente. Realço que a figura masculina (tanto em uma, quanto na outra imagem) não pertence a este mundo, ou seja, àquilo que me é inteligível ou que, pelo menos, eu saiba nomear e atribuir-lhe algum sentido notório. Estou certa de que quase nada neste mundo faz algum sentido “notório” para mim, mas, antes que me julguem pretensiosa, quando falo de mundo lembre-se que as restrições (inclusive dos meus pressupostos) ficam por conta da minha idade, formação, experiência, imaginação.
De volta às oposições, Woolf discorre sobre a exposição do homem – de modo geral – às intempéries e os sofrimentos que afetam a “qualidade da vida humana”. Enquanto o astronauta, apesar de estar num ambiente completamente desfavorável à sua mínima sobrevivência, encontra-se em absoluta proteção dentro de sua roupa espacial. Para quem esboçou um sorriso malicioso, reforço, desde já, que a suposta posição “superior” a quem os homens se encontram – nesta imagem lunática – é “superficial”, pois só é possível graças à artificialidade do vestuário, ou seja, de seus próprios meios.
Agora, alguns podem me dizer que vou forçar na interpretação, estou ciente disto; porém, em meu imaginário, há espaço para todo tipo de relação e nexos cujos fundamentos exporei aqui; se far-lhes-á sentido ou não, julguem por si próprio.
Consideremos os aspectos práticos: a falta de gravidade, diz a ciência, permite o homem flutuar e, desta forma, dispor-se de roupas infinitamente pesadas para não sair boiando pelo espaço. O resultado é a leveza dos movimentos (a despeito mesmo do vestuário brucutu), a impossibilidade de fazer gestos muito bruscos, uma certa “graciosidade” no andar, e, claro, aquela cena típica de um martelo e uma pena caírem com a mesma delicadeza. A perplexidade do homem – além de todos os aspectos científicos – fica por conta destes itens indicados acima (lembremo-nos da existência e o interesse por uma viagem à lua para sentir o efeito da falta de gravidade ou, até mesmo, simulador). Isto só é possível porque o ambiente permite, favorece e, de certo modo, “exige” este tipo de “comportamento” que, no caso do astronauta, é puramente físico. Virginia Woolf trabalha esta relação homem (no caso, mulher)-meio mais subjetivamente. Ao sugerir “nos comportamos como grandes damas”, ela não se refere somente aos critérios comportamentais físicos de uma “dama”, mas também ao seu ethos como tal. Ou seja, apesar do pesado fardo histórico de subestimação e difamação das mulheres ao longo da história, o “universo” feminino ainda causa muita perplexidade (e desconcerto) no meio masculino, semelhante à “curiosidade” que levaram tantos homens a procurarem a lua e entender suas próprias mulheres; ou então o “grau” de adaptação feminina em uma sociedade tão desfavorável (imaginem no século XVIII) como a nossa. E quando Woolf diz “apesar de tudo”, é apesar de tudo mesmo, pois mesmo estando carregadas e “vestidas” de séculos e séculos de maceração em todos os níveis, ainda temos charme e elegância para refletir, analisar, falar e sentir – tanto quanto ou mais que um homem – todas as coisas, seja um martelo ou uma pena caindo.
Não, não é um tratado feminista. Se você teve a proeza de chegar até aqui e concluiu isto, aconselho-te a voltar e reler mais pacientemente (allez-y, bon courage!). Claro que não disse tudo, não teria graça expor-me tanto assim, e "tudo" também não passa de quimera pretensão.
Para finalizar, vale lembrar que se trata de uma foto e uma legenda. Jornalisticamente falando, são duas coisas complementares, e uma não faz sentido sem a outra. Uma explica a outra, e esta última é explicada pela primeira. Uma legenda sem foto torna-se demasiada abstrata; e uma foto sem legenda um concreto vazio.

Considerações:
1- Mal coloquei minha roupa espacial, já tive que voltar da lua
2- O Lulu Santos foi comigo
3- Melhor: o Gabriel pensador
4- Por que a nossa seleção só tem monstrinho tréque-tréque?
5- Viva a Itália, e os jogadores da Itália, e o físico dos jogadores da Itália, e a beleza do físico dos jogadores da Itália, e a extrema beleza de tudo que compõe o físico dos jogadores da Itália (que isso!)
6- Morte aos donos de sebo que cobram 31 reais por um livro todo rabiscado e não aceitam pechincha
7- Felicidade aos que realmente leram e chegaram ao fim do post. (Ipi, ipi, urra!)
8- Escrevo muito, eu sei.
9- Welcome, você está diante de um blog de uma jornalista em crise.
10- Só para lembrá-los: aqui não tem editor.
11- Leiam o texto acima, está legal. Fiz com carinho.
12- Eu sei que vocês preferem ler em tópicos assim, é tentador, eu sei.
13- Mas tentem!
14- Meu final de semana de férias acabou.
15- Direito administrativo, urgh, aí vou eu!
16- Não! Não fiquei louca. Ainda. Faz parte do curso de relações internacionais.
17- Escrever assim, vicia.
18- Vou parar.
19- ....
20- Ai
21- Tchau
22- ....
23- .......

6 comentários:

Anônimo disse...

Devo confessar que meu olhar foi diretamente para a legenda: fui agradavelmente surpreendida em ver uma frase de Virginia Woolf - especialmente enquanto estou no meio de 'Orlando'. Depois, outra surpresa: a concatenação frase/imagem veio muito a calhar com o mote do livro.

Retomo à esse post e faço os comentários assim que terminar o livro ;-)!!!

Anônimo disse...

Fico muito feliz em saber que foi agradável a coincidência. Aguardo ansiosamente seu comentário!!!
;D
Abraços!!

Anônimo disse...

olá!
Visitei seu blog por indicação do Antônio.

Gostei do texto, muito embora não tenha literatura suficiente para creditar qualidade a tais autores. Posso, porém, dar méritos às suas associações, as quais julgo-me incapaz de fazê-las da mesma forma... Não sei... É uma maneira de pensar um tanto quanto peculiar... Como vc disse, depende da idade, formação, experiência e sobretudo imaginação. De qualquer forma, interessante! ^^

É isso... =]
Obrigado!

Anônimo disse...

Olá, Bruno, bem-vindo ao "Impropriedade". Sinto-me muito honrada em perceber que os textos são lidos na íntegra e obrigada pelo comentário. E não se preocupe com a sua assaz "literatura" ou a sua suposta incapacidade, limites todos têm (inclusive e principalmente eu). É a partir disto que o veículo do blog me fascina, a "partilha" de idéias pode quebrar barreiras. E tenho absoluta certeza de que, se pudesse ter acesso às suas "idéias", encontraria muitos obstáculos para você mais do que ultrapassados e para mim ainda a superar.
Beijoss!!

Anônimo disse...

Ana!!!
Não só cheguei ao final do post como o li inteirinho, e gostei muito! O final foi mais fácil, pois a leitura em tópicos é, realmente, tentadora. =P
Sei que meu comentário nao está a altura do seu nível de escrita, mas saiba que também a aprecio e desejo apromirá-la.
Por isso, pode ter certeza de que voltarei!
Beijos!

Anônimo disse...

Ana, você viajou bastante nesse post, mas viajou legal. Um dia eu aprendo a viajar assim, que sabe xD.
Só fiquei surpreso com a parte das considerações, ficou estranho... mas como disse um sábio homem: "Faz parte".
Bjo.
E desculpe o comentário estúpido.