quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Ousadia

Num desses cantos obscuros da alma
ousei puxar a cordinha de um lampião
era você travestido de sim
dizendo que não

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

O poder da criação não é tão "ÃO" assim.

A minha angústia de escrever é escolher. Temos que escolher o cenário, o estilo, o tamanho dos parágrafos, a personalidade das personagens, delimitar o tema, as descrições, a relevância, as atitudes, os gestos, os movimentos, as metáforas, as figuras de linguagem, a vírgula, o ponto, o ponto e vírgula, exclamação, travessão, tristeza, alegria, morte, vida, nem sempre consciente. Tudo isto tem que se articular e isto angustia-me. Sempre pergunto a mim mesma: por que tal personagem será assim? Por que ela vai falar isto? Por que descrever tão minuciosamente esta porta, este objeto, esta paisagem é relevante? Por que descartei tal descrição? Por que eu não fiz referência, por exemplo, ao tipo de chão que tal personagem passa na cena mais importante do texto? Por que vou dar "voz" a alguém neste trecho? Por que sou onisciente (ou não)? E se eu quiser que em cima da mesa da protagonista tenha uma tesoura? Ou um lápis? Ou nada? Por que não a coadjuvante? Por que eu não quis escrever isto e quis escrever aquilo?
É por essas e outras que escrever, para mim, é uma aventura. É certo que isto causa um atraso imenso, nunca consegui escrever, por exemplo, uma história grande o suficiente ou como eu gostaria. Sempre esbarro nestas coisas, fico exercitando minha liberdade "criativa" (não no sentido de auto-elogio, mas do poder que todo ser humano tem de inventar uma história banal, ou seja, de fazer escolhas) tirando e pondo coisas, diálogos, interferindo em destinos, construindo mundos, reinos, cidades, mares, planetas, destruindo-os, reconstruindo-os. Crio personagens, decido idade, tamanho, cor dos olhos, comportamento, índole (ou falta de), formação. Ou seja, tudo. É mais que o poder divino praticamente, pois eu - como qualquer escritor - decido exatamente tudo. Bom, devo ter acabado de cometer uma heresia sem tamanho, a não ser que Deus tenha controle sobre o comportamento, formação, atitudes e pensamento de todos os seres daqui debaixo (até sobre os que são contra Ele), retiro o que disse.
Certa vez sentei para escrever uma história. O texto até que flui, as idéias até que vêm, mas eu não resisto em inserir ou retirar um objeto, em trocar uma fala, em desvirtuar completamente o destino já estabelecido, remexo, reviro, não gosto, tiro e, enfim, a não ser que tenha um objetivo pragmático (artigo de jornal, blog, trabalho de escola etc) posso sair de uma trama no século VII a.C a um romance policial no século XIX. Não que eu tenha capacidade para fazer nem uma coisa, nem outra, mas fico mastigando este monte de variáveis e isto me angustia profundamente. Por que falar de uma coisa, se eu posso falar outra?
Angustiante, mas desafiador. Há uma seqüência de cenas no filme "Buenos Aires 100Km" que me é particularmente perfeita: o menino-protagonista está a escrever um conto e o diretor mostra, na tela, a história que o menino conta enquanto este redige. Para cada decisão acerca do "romance" do menino, a história muda. Ele escreve (não me lembro exatamente): "Era uma vez um monstro que chegou à pé numa casa..." e aparece a cena do monstro. Ouve-se o barulho da borracha no caderno, o menino fala: "Não! Um monstro que chegou de bicicleta..." a cena volta e aparece a mesma coisa, mas o monstro de bicicleta. A seqüência é feita várias vezes, em vários trechos do conto e é divertida, um tanto engraçada (descrever perde a graça). Enfim, é isto que acontece. Assistam, recomendo.
Voltando, num segundo nível, quando a gente - no meu caso, muito sofridamente - consegue fazer a trama fluir, sem o desespero incontrolável de tomar o poder da caneta e mudar tudo, as personagens, a trama e tudo mais aquilo que você escolheu começam a tomar vida própria. Outra angústia. Por mais que você queira dar um destino nefasto ou cristão, algo controla os diálogos, as descrições etc etc... como se o seu subconsciente (ou alguma instância desconhecida) disesse: "sai daí, agora é a minha vez". Já matei personagem sem querer, já fiz a minha criação tomar atitudes inpensadas, incalculadas, já suicidei minha melhor personagem, já fiz o impiedoso ter perdão, o sertão virar mar e o mar virar sertão; já me prendi em quartos escuros, já atravessei o oceano, sem querer (por isto acho que cometi uma heresia lá em cima). E você lê, lê, lê, quer mudar e não muda. Que saco. E brigo: por que você fez isto, personagem estúpida? você é louca? Para onde você vai? Não fala isto! Não faça isto! Não faça aquilo! Pronto, já foi, já era. Eu não sou mais livre. O tal peso, as tais camadas, o tal desconhecido e todas estas variáveis, elas, sim, me escolheram.
O que eu faço? Se eu pudesse, como o Criador veio para a terra, enviar-me-ia para dentro de um monte de páginas, tornar-me-ia, então, personagem de mim mesma, e, portanto, tiraria da mão daquele cretino filho-da-mãe que eu criei a arma com a qual ele ia se matar.
Como não dá, destruo e queimo tudo, ou melhor, deleto e arranco até da lixeira. Nem como lixo servem minhas histórias.
(Não mesmo: sem auto-piedade, falsa modéstia, sem estas coisas de joguinhos hipócritas).

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Uma lata de sardinha velha e vencida...
O dia em que Agilulfo Samsa encontrou-se com Bradamante Baudolina
O acontecimento se deu no reino Frascheta, um pouco antes de Bradamante Baudolina traçar o destino a favor de Rambaldo. O duelo foi postergado durante semanas, mas, por insistência de Baudolina, o fatídico dia chegou. Munida dos manuscritos em latim raspados, da espada de nanquim, do escudo semântico, do elmo da L'oreal e, claro, da armadura profissional, lá foi Bradamante cruzar a linha divisória do seu adversário: Agilulfo Samsa. Era para ele ser inexistente, e assim foi durante muito tempo - enquanto B.B. achava que não havia nada embaixo daquela armadura - mas, de repente, num desses dias ao acaso, saiu do elmo um bicho asqueroso, com patas incontáveis, casco duro, antenas pegajosas e um abdômen retorcido que dificultava a respiração traqueal, fazendo daquele inseto mais horrendo do que parecia. Doravante, Bradamante arrefeceu, Agilulfo enrubesceu, Rambaldo apareceu e o duelo foi marcado.
O cair da tarde em Frascheta é sempre penoso, porém agradável aos olhos. O fim de journée parece cair inteiro sobre as suas costas, como se o céu desabasse todos os sacos de areia que foram usados para manter o espetáculo do dia todo em pé, na sua cabeça. Mesmo assim, com as costas flageladas e a cabeça pesada, pode-se admirar o sol ao horizonte, num jorro policromático de dar inveja a qualquer produtor hollywoodiano.
Neste cenário, encontraram-se Bradamante e Samsa. Parada súbita. Desembainhar das espadas. Olhos nos olhos. Nariz com nariz. Espada com espada. Raiva com raiva. Ranger com ranger. Cerra-cenho com cerra-cenho. Bufada com bufada. Tensão com tensão. E senta aí, vamos tomar um café.
Enquanto Baudolina falava alemão, Samsa entendia em grego, respondia em tchéco e B.B entendia em russo. Para não restar dúvidas de que ambos estavam entendendo-se perfeitamente, travaram os termos do duelo por escrito: Bradamante escreveu em latim, Agilulfo achou que era - e leu em - árabe; e, nos parágrafos feitos por Samsa, Baudolina tinha certeza que lia trechos em hebraico, ao passo que Agilulfo escrevia em catalão.
Samsa ainda estava entorpecido pela noite anterior - que não fora muito tranquila - e Bradamante ainda estava se recuperando de alguns meses na montanha para curar um prenúncio de tuberculose (como se não bastasse o tratamento, ainda tomou para si o trabalho de mediar o conflito ferrenho entre dois companheiros da casa onde se hospedou). Mesmo com cansaços subjetivos latentes e não-declarados, o clima entre Agilulfo Samsa e Bradamante Baudolina não estava para condescedências... de nenhuma das partes. Os termos do contrato foram esmiuçados e não havia mais nada a declarar.
Olhos nos olhos. Espada, escudo, armadura, posição de ataque e IÁ! B.B ataca pela direita, Agilulfo pela esquerda e... ambos atacam o ar. Novamente. Eles se olham, sacam a espada e... IÁááá... cada um para um lado de novo. Decidem atacar-se de frente. Respiração ofegante, raiva ascendente, orgulho pulsando nas veias, não há erro, eles estão próximos, é só enfiar a espada bem ali... é agora ou nunca... e Samsa conseguiu. Bradamante esqueceu que o escudo semântico, nos termos muito bem escritos, torna o seu portador vulnerável. Agilulfo não perdoou nem o silêncio da quebra da linguagem, simplesmente enfiou, arrancou e limpou a sua espada de qualquer resquício daquela cena insignificante e desprezível. Baudolina, como boa contadora de história, fingiu mais dor do que sentia - menos por orgulho do que por comodidade - e se lembrou de que ela também era o reflexo de Agilulfo Samsa. Ou seja, atacando-a, Samsa também atacava a si próprio.
Num ímpeto, B.B enrolou seus manuscritos, refez seu escudo, fechou seu elmo, ajeitou sua armadura, despediu-se de Agilulfo - que agora tinha o bicho sobre a sua cabeça em posição de ataque, com as patas peludas e úmidas agitando e agonizando fervorosamente - e pôs-se a cruzar a fronteira além-Frascheta. Enquanto as pernas e os braços da armadura de Baudolina moviam-se sozinhas para cruzar a linha, ela, encolhida lá dentro, no ventre de sua própria casca, sacudia e chorava copiosamente... por ter vencido.
Afinal, num cantinho qualquer lá da Frascheta, Agilulfo Samsa lutava contra o bicho em sua cabeça, envergonhava-se do sangue em sua espada e não continha o aperto indelével em seu coração quando, ao reler o termo, viu que "ruoma nom asmas" não era apenas mais um trocadilho latinesco de B.B para confundi-lo, senão o real motivo pelo qual ela estava ali: "samsa mon amour".
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.
Simone de Beauvoir

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Fora do expediente
Completamente fora do expediente que eu criei para mim mesma (que coisa, não, tenho a capacidade de engessar-me), eu sentei aqui para fazer várias considerações. E, como blog, como post, lá vem o gesso, a gente costuma escolher sempre um tema, um ponto de vista, uma cena, um isto, um aquilo, tudo em um, tudo em pílulas. Fácil assim para todo mundo tomar um pouco. Não naquele lugar, óbvio, pois meu ímpeto eu-escrevo-o-que-quero-e-foda-se não está em alta.

Coloquei-me assim porque estou de mudança. E, mudando, até o visual do blog tomou outra cara. Confesso que não gostei muito do novo modelo, este cinza, este rosa, sei não, de qualquer forma, é outra coisa. Isto basta. Esta praça(?) aí no canto superior direito convenceu-me, sabem como é: praça, público, coisa, república, opinião pública, café, frança, autonomia. O som desta sequência agrada-me em vários níveis.
Piano
Por falar em som, voltei aos meus estudos em piano. Um tanto enferrujada, claro, cinco anos são cinco anos, sete notas são sete notas, oito escalas são oito escalas, dez dedos são dedos, milhões de neurônios são milhões de neurônios. Este período um tanto insano ajuda a entender o tamanho da ferrugem acumulada, mas nada substitui o prazer de usar outros registros do cérebro e de (re)apurar a audição que, no meu caso, faz todo sentido.
De volta à mudança, o papo aqui é interno, entendeu? Uma coisa de mim para mim mesma para todos lerem. Este saco de exibicionismo virtual a que todos se submetem e depois reclamam que a internet é perigosa. Mas não era isto que eu ia falar.
Machismo
A pauta da semana é machismo. Estou très très très loin de tratar deste assunto com autoridade, contudo posso tratá-lo como mulher. Não como vítima. É diferente. Sim, vivemos numa sociedade machista, é fato, e não adianta reclamar. O problema é que eu tenho raiva das mulheres, principalmente, as feministas. Sendo assim, também um nutro um sentimento de auto-crítica -- ou auto-piedade? -- que me faz atropelar todas as atitudes que se esperam de uma feminista radical (urgh); de uma reacionarizinha qualquer ( casar, cuidar do jardim, filhos, marido, shopping, compras, clube, novela e Veja); de uma jovem liberal de vinte e poucos anos; de uma vitimazinha coitada deste mundo cruel; e de todos os estereótipos que se podem atribuir a uma pessoa com o mesmo estilo de vida (que raio é isto?) que o meu. Não que eu esteja fora destes estereótipos (hoje, aliás, estou me sentindo a mais careta e conservadora dos seres-humanos), supondo que eu seja uma centopéia, estou com um pé em cada um. O mais problemático disto tudo - pelo que posso perceber ao longo das conversas por aí - é que eu não ligo a mínima para esta sociedade machista. Digo, não ligo tanto quanto as outras ligam (até as mais feministas).
Não me preocupo em tomar uma atitude que os homens esperam que uma mulher - que se importa - tome, entendeu? E isto não significa que eu abraço a causa "homens: quem precisa deles?", muito menos a "só se é feliz acompanhada" e, menos ainda, a "toda mulher precisa de um marido". Ora posso tomar uma atitude de deixar uma feminista com o peito estufado e ganhar um bottom pela causa; ora posso fazer soar vários elogios das pessoas na sala de jantar. Neste sentido, sou livre. Tá, não tão livre quanto gostaria e deveria, mas se as mulheres parassem de se preocupar e se ocupassem com temas mais relevantes, creio que as coisas tenderiam a melhorar a nosso favor com maior rapidez do que fazendo listas e mais listas de auto-ajuda para "viver bem sozinha", "superar um pé na bunda", "mandar na relação", "conquistar um homem para sempre" etc.
Os mais velhos dizem que proferir este "discurso" só é possível quando se é jovem, tem vinte e poucos anos, determinado tipo de vida, determinada cor, determinada formação, determinada criação e afins. É um saco este eu-já-sabismo dos mais velhos. Se é assim, que assim seja então, e lá vou eu me enquadrar, novamente, em algum estereótipo determinado xis, xis e ípissolon pelo censo IBGE 2006. Tá bom pra vocês? Burocratas. Como li em Tolstói, "Regra. Chame as coisas pelo nome".
Burocracia
E não é que este povo meio kólv, vlódva, óvna, itch, fka e outras combinações consonantais pavorosas tratam frequentemente da burocracia? É russo, é tcheco. Eu, hein. Como se já não bastasse a própria "complexidade" da coisa em si. Toda vez que o banco me manda preencher um formulário, dá vontade de responder naquelas línguas.
Amor
Nem as combinações consonantais pavorosas causam-me tanta inquietação quanto a linguagem deste, deste, deste, hum, desta coisa. Ultimamente, sinto, des-sinto e não sinto tantas variáveis do estoque de sentimentos-sem-nome que fugi à regra: embolei tudo num pacote e chamei de amor. E sem aquela caca romântica asquerosa que me causa náuseas. Um erro, claro, porque neste bolo de sentimentos o joio podia estar presente. E que joio. No entanto, como numa peça de teatro em que você erra a fala, só você sabe que errou; ou seja, se você souber se articular, ninguém percebe o equívoco. A não ser, é claro, o idiota que já viu a mesma peça (interpretada por você) várias vezes. Quanto aos outros, a gente supera e ainda sai, linda, com aplausos em pé, assobios, ovações e até pedidos de autógrafos.


Então
Obrigada pela poltrona.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Mais um daqueles dias em que te
avisam que as nuvens não são de algodão

domingo, 10 de dezembro de 2006

Vida roda viva

Hoje, depois de tomar café na padaria, fui ler meu livro numa praça perto de casa. O tempo estava agradável, uma brisa fria e seca dava conta de refrescar o corpo do mormaço que escapava do céu nublado. Mesmo absorta na minha leitura, não pude deixar de perceber uma criança aprendendo a andar em sua bicicleta nova. Ela parou bem ao meu lado e não conseguia continuar por causa de uma pequena elevação no chão, seu pai – distante uns 50 metros – gritava:
-- Vamos lá, filha! Força na perna!
Após várias tentativas e bastante esforço para uma menina de cinco anos, ela arrancou e saiu toda faceira. Logo atrás dela, passou também ao meu lado, sem problema com a elevação do piso, uma velha senhora, magra, retorcida, olhar penoso e cabelos esgrenhados, sendo empurrada numa cadeira de rodas.
Minha garganta secou, minha cabeça pesou e demorei um bom tempo para voltar à minha leitura.

sábado, 9 de dezembro de 2006

Uso léxico

Eu queria ter o poder de usar as palavras a meu favor. Quando eu sentisse aquela raiva imensa, discorrer palavras dilacerantes, daquelas que cortam afiadas o coração das pessoas e não perdoam nem o som da vírgula. Sentei aqui para fazer isto e não consigo. Percorri toda a semântica disponível do meu limitado vocabulário e nada apareceu. Xingamentos, sim, mas eles têm poder superficial, não atingem meu objetivo e, além do mais, são muito estéreis. Eu queria usar as palavras, aquelas mesmas que com o poder comovem e, com o efeito inverso, destroem.
O não é um bom começo. Uma frase com antônimo não é tão poderosa quanto a frase negativa. Um "eu te odeio" é menos pior que um "eu não te amo". Pois na segunda, você afirma a impossibilidade de algo bom que poderia acontecer, enquanto a primeira beira a esterilidade do xingamento. Ou seja, na última, você diz sem dizer que poderia amar, e não ama; já no antônimo, você odeia, mas também pode amar (viva a contradição humana). Vejam, estou falando de algo para cortar de fora a fora a alma. Em outros contextos, um "eu te odeio" deve funcionar melhor, mas não estou muito preocupada com isto. Usei este exemplo banal, tão banal que não consegui resolver, nem assim (creio que uma lista de coisas que eu não sinto também não resolve). Dirá com o complexo jogo de sentimentos nada cristãos que borbulham aqui dentro.
Dizem que a indiferença também funciona, mas o alvo da lâmina geralmente é impreciso. E eu queria atingir ali, naquele lugar, especificamente no ponto onde até o silêncio entre o ponto final e o próximo parágrafo gera um soluço longo e apertado. Já que não sei como fazer isto, que fique registrada a minha vontade.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Leitura
Eu o leio. Leio até o fim com a astúcia que me é permitida, nem que ele coloque veneno em cada página que eu virar, nem que a capa se encha de espinho, nem que o cheiro se torne intragável, nem que ele escreva as palavras mais horrendas, nem que cada leitura se torne uma guerra, nem que a cada linha ele queira arrancar minha vista. Não adianta. Ele não consegue esconder as entrelinhas da sua própria personalidade. O infeliz tenta, é verdade: se enche de páginas de propaganda de vileza, crueldade, frieza e, claro, indiferença. Faz questão de colocar tudo isto em anúncios de exclusividade e primeira página, mas, desse livro, já conheço o índice e o prefácio e sei facilmente descartar estas propagandas baratas. Afinal, eu sei que os capítulos doçura, insegurança e carência estão nas páginas 172, 268 e 564 respectivamente. Confesso que até me divirto, como quando olho para uma propaganda ignóbil e me pergunto, sempre, como alguém pode acreditar numa coisa ridícula destas.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Declaração
(vai vendo)

Eu tenho a coragem de morrer de amor. E, para mim, a paixão nunca traz dor. Dou a ele toda a devoção da vida, num só instante, sem momento de partida.
Posso dizer a ele tudo o que é preciso ouvir, todo este papo de tempo que insiste, existe e há de vir. Já disse que eu quero, tenho absoluta certeza e, de repente, tenho a sua vida a meu dispor.
Eu vejo, eu sei como é lindo morrer de amor. E morro.

Éca. Tem graça?
O amor é sempre mais bonito no condicional, não sei porquê.
Sandices

Aqui no meu trabalho, neste exato momento, cai uma chuva torrencial. O ceú pretejou, as nuvens se aglomeraram, a faxineira avisou "vai cair um toró" e, naquele espaço do cafezinho, todos compartilharam e comentaram a preparação dos céus para este dilúvio. Ele teve o dia inteiro para ligar, exatamente todas as horas disponíveis antes desta. E ligou só agora, com este tempo, que não posso sair da minha sala nem para respirar. Ligou para outra. Sim, deixou-me com uma dor sem tamanho. Pois é, ele gosta de castigar. Obrigou-me a compartilhar com o céu todo este derramamento de água que agora acumulo em mim, pois não posso desaguar-me aqui. Não bastasse uma, ligou duas vezes. Enquanto vejo o céu se regalar e se desfazer em água, desfaço-me em palavras perdidas, não concatenadas, que saem de um coração transbordante trancado a sete chaves e à prova d'água.

domingo, 26 de novembro de 2006

Extrato

O meu cartão de crédito não é suficiente para pagar o enterro e as flores, se eu morrer de amores. Portanto, honey, trate de me incluir entre as contas de água, luz, telefone, iptu, ipva, gás e aluguel. E, ah, por favor, em débito automático.

domingo, 19 de novembro de 2006

Acorda pra mim
(quem sabe eu não me enforco com ela?)

Depois do coito ele dorme. Eu sei que ele é uma reta de 85 graus ascendente e outra decadente, e eu uma parábola com o zênite bem largo, mas devíamos encontrar uma equação de síntese nesta história. Enquanto isto, ele dorme.
Minha diversão predileta, durante seu sono mais profundo, é aproximar-me bem perto de seus olhos, nariz rente a nariz, boca rente a boca e não fazer nada. Assim, tenho a certeza de que, por um momento, eu me entreguei para ele - inteira até a mente - agora sim, eu faria tudo que ele pedisse, até entregar todo meu coração que ele insiste em procurar pelo canal mais complicado e desejado; e o filho da puta ficou imóvel, impassível, um insensível.
É o gancho para me virar repentinamente, como quem despreza uma carne mórbida, acender o abajur de luz fraca, sentar-me na beirada da cama para procurar um foco luminoso suficiente, os pés no estrado lateral, a boca no joelho (adoro meu joelho, mas só dobrado) e um caderninho, à frente de todo meu corpo em posição fetal, ligado a mim apenas pela mão esquerda e uma caneta na mão direita. Escrevo, escrevo, risco e escrevo: palavras insensatas de um universo desnudo, tão desnudo que esquecemos como era a roupa dele.
Por um mistério feminino ainda não desvendado – ainda vestido, eu diria – eu sei que ele acordou atrás de mim, ouço até o piscar confuso e cambaleante de suas pálpebras a percorrer, depois do ajuste-controle da retina, as minhas costas. Meus cabelos, pela noite tão agitada, estavam soltos, desalinhados e perdidos dos ombros pra baixo. Ele adora minhas costas e meus cabelos. Estou certa de que daquela cena sairia um elogio, mas ele não disse nada. Olhou para o teto e perdeu-se em outro silêncio pós-coito. Uma mistura de mácula e honraria pela (pretensa) possessão de minha pessoa gerou um orgasmo subjetivo nele. Outra forma cretina deles desaparecerem e dormirem, enquanto o meu orgasmo subjetivo é sentar naquela beira da cama e escrever, escrever, escrever e escrever para, um dia, quem sabe, durante uma briga horrenda, daquelas de ofender a quinta geração da pessoa mais querida, eu jogue todas as anotações pelos ares, esfregue mesmo na cara dele, em meio a um turbilhão de xingamentos e ameaças, e o faça entender que eu o amo mais do que aquilo. Porque quando o sexo acaba, eu continuo acordada.

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Música repetida

Um bom sinal de que há algo de podre no reino do amor -- em todas as suas acepções -- é ouvir a mesma música. Para os mais apaixonados, é a lembrança de um momento maravilhoso fixado em algum lugar do passado, que não passa de um instante idealizado a mais no grande tédio que toma conta de todo o tempo. Para os desafortunados, é a mesma porra da lembrança congelada em outro contexto: o do desespero.
Eu faço isto. Coloco a música, aquela que você conhece. E não faça esta cara de quem não entende. Prendo-me naqueles intermináveis 3 minutos e 43 segundos. No repete. Fico enjaulada em seus braços, seus cabelos, seu corpo, sua pele, sua voz, seus carinhos, travessuras, implicâncias, ciúmes, inveja, raiva, ódio e acaba. Quando a música chega ao fim, ponho para repetir. Tudo recomeça. O compasso harmonioso da introdução, dos primeiros segundos, o solo de baixo, as primeiras entradas da bateria, o discorrer do violão, o inesperado: o tempo da conquista. Depois o chacoalho, as intimidades, a guitarra, o orgasmo. E depois tudo caminhou para o fim, sem que pudéssemos perceber... dançamos a música como se ela não acabasse nunca, não preparamos todos os toillets para o fim descabido da composição e, enquanto você gritava para avisar que o volume parecia estar baixando, eu acendi um cigarro e te avisei que a vida era assim mesmo. Esta era a graça. Por enquanto, ainda não encontrei o botão repete da vida e o maço não chegou ao fim, mas, quando encontrar, te trago de volta para mim, no mais novo hit do momento. Até lá, fico aqui estendida sobre a cama, com o controle numa mão, o cigarro na outra, o repete no polegar direito, duas lágrimas nos olhos e a música amiúde em meus ouvidos.

domingo, 12 de novembro de 2006

Quem sou eu

A certidão diz que eu sou Ana Clara, mulher, branca, nascida em 1984; o diploma diz que eu sou jornalista; a carteirinha diz que eu sou estudante; o título diz que eu sou eleitora; o cartão diz que eu sou uma correntista; o extrato, que eu sou uma devedora em potencial; o cpf, que eu existo pro Estado; o rg, que meus pais são quem eu acho que é; o cartão do convênio, que meu corpo pode pirigar a qualquer momento; meu email, que eu sou internauta.

Agora, tenho uma séria dúvida se um dia queimarem tudo isto.

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Nunca ganhei flores. Nunca mesmo. Nem de parente, nada. Mas hoje recebi um buquê. Lindo, por sinal. Um buquê de palavras. A vantagem é que elas não morrem, pelo contrário, mesmo se o tal sentimento enunciado esvair-se algum dia, elas continuarão intactas. Nem sei o que fazer de tanto encantamento, como se não conseguisse achar um vaso adequado para um buquê tão elaborado.

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

A minha vez e a voz dos outros
A minha voz e a vez dos outros









Os deuses,

que não perdem jamais uma oportunidade

de ferir, contrariar e de destruir
a qualidade da vida humana,
ficam totalmente desconcertados
se, apesar de tudo,
nos comportamos como grandes damas
Virginia Woolf


Isto não significa subserviência, submissão,
sentimento de culpa ou qualquer
outro tipo de repressão moral ou cultural
Mas, sim, saber que
a idolatria que as mulheres têm pelo amor é,
no fundo e originalmente,
uma invenção da inteligência
Nietzsche.
E se, por acaso, nos habituamos à superestimação
deste amor e "caímos na própria rede", podemos usá-la
para (re)tecer infindáveis amores intensos
e não, necessariamente (ainda bem),
eternos.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Enigma

Não. Não vou lançar um desafio porcaria de “o que é, o que é”, nem propor uma pergunta existencial de cunho altamente filosófico (se existencial-filosófico não for pleonasmo), tampouco esperar que entendam tudo o que escrevo, mas não resisti à tentação de discorrer sobre algumas observações.
Há certas peculiaridades na linguagem que nos permitem escrever sem ter escrito e dizer sem ter dito. Não sei fundamentá-las com argumentos assaz consistentes – espero que um dia possa –, muito menos descrevê-las aqui, nua e cruamente, já que seria preciso explicitar o dito não-dito e, pior, escrever o não-escrito. Mas, tentemos.
O princípio é semelhante ao do mecanismo de olhar uma imagem, ou seja, o mesmo processo do ver sem ter visto. Na “carta sobre os cegos”, de Diderot, é explícita a possibilidade de um cego de nascença conceber figuras geométricas em sua mente. Se elas se assemelham ou não ao que realmente “vemos” é outra história. No entanto, “ver o que realmente é” não importa muito, principalmente no que diz respeito a enigmas, coisas não-ditas, não-escritas e afins. A questão é que o cego “vê” uma figura com os mesmas características e princípios geométricos-matemáticos mesmo sem ter visto.
Caindo para o senso comum, também podemos trazer aqueles fenômenos de força da crença em que os indivíduos, dotados de alta carga emocional, declaram enxergar aparições, luzes ou qualquer coisa do gênero, que escapam às pessoas que não se encontram no mesmo estado de pertubação.
Dito isto, as coisas escritas e ditas seguem a mesma linha. É claro que nesta analogia perde-se muito, pois são formas de comunicação com funcionamentos e conexões muito díspares, mas o processo de “ocultamento”, ou melhor, não-explicitamento é o mesmo. Portanto, somos capazes de capturar diversas interpretações não-verbalizadas que se encaixam perfeitamente nas suas respectivas formas de expressão – escrita ou falada – como o cego vê uma figura com os mesmos princípios matemáticos.
Tá, isto não é nenhuma novidade, mas o que mais me atrai nesta explanação toda é o que escrevemos sem ter escrito, intencionalmente. O zênite desta qualidade está restrito aos poetas, aos melhores poetas. E, se considerarmos o plano da sensibilidade emocional feminina, podemos dizer que somos as leitoras que mais encontram não-escritos e, principalmente (para horror do sexo oposto), não-ditos. Isto não significa, necessariamente, uma superioridade, tampouco uma inferioridade, apenas uma constatação. Apesar desta imparcialidade um tanto falsa de minha parte, não para o lado feminino, mas para o lado masculino, a questão dos gêneros torna-se um tanto irrelevante para o trabalho do enigma linguístico. Uma qualidade excepcional presente apenas em alguns e algumas que, sem sombra de dúvida, não deixam de ocupar minha prateleira e meu browser.
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O que ouviu os meus versos disse-me: Que tem isso de novo?
Todos sabem que uma flor é uma flor e uma árvore é uma árvore.
Mas eu respondi, nem todos, ninguém

Porque todos amam as flores por serem belas,
[e eu sou diferente.

E todos amam as árvores por serem verdes e darem sombra,
[mas eu não.

Eu amo as flores por serem flores,
[directamente.

Eu amo as árvores por serem árvores,
[sem o meu pensamento.

Fernando Pessoa

sábado, 28 de outubro de 2006

Depois do fim e depois do início
Que raio de lucidez é essa? Que me faz ser compreensiva quando a alma a quem desejo entregar a minha está completamente presa à outra?
Enquanto puxo intensamente o cabresto do instinto feminino em discorrer e enviar palavras melosas, dramáticas, com um toque peculiar do mais nauseante romantismo para um, pedaços disformes de um coração despedaçado escorrem pelo ralo de minh’alma e desembocam em movimento de contra-fluxo no brilho de meus olhos quando encontro outro. Nenhum deles desafia-me. Ambos são completamente passíveis às mais puras convenções dos relacionamentos menos convencionais: o depois do fim e o depois do início.

O moinho que toca suas hastes lentamente sobre o rio dos dias começa a rodar em sentido contrário e joga para o alto, com suas espátulas gigantescas, toda a compreensão rotineira do passar das horas. Mas o tempo é implacável, meus amigos, e, para toda tentativa de mudança de sentido, nada que um escorrer embrutecido de uma seqüência semanal não obste as hastes do moinho e façam-nas voltar à sua tediosa mesmice.
O tempo da razão, meus senhores, situa-se no alto da montanha e o único modo de lá fazer brotar esta força que desce brutalmente e se impõe sobre os moinhos é aguardar pela passagem pura e simplesmente da cronologia.
Os loucos conseguem rodar as hastes em movimento contrário, enviam boa parte das tentativas embrutecidas de volta à montanha, criam um contra-fluxo gigantesco e causam um furor neste cenário bucólico e sem-graça da mesmice. Já o moinho das bestas não conhece este líquido que escorre lá do alto; o rio é seco, o mecanismo enferrujado e as hastes rodam por mera complacência do próprio existir, enquanto apenas um filetezinho de água – encontrando fracamente seu caminho entre as rachaduras do imenso vácuo – escorre devagar pelo simples passar das horas imposto a qualquer procarionte.
Eu estou beirando a loucura. Ainda estou longe de um colapso geral na montanha, assim espero, mas meus moinhos giram completamente desgovernados e insensíveis à jorrada de dias, semanas, meses, que insistem em desaguar brutalmente sobre os meus, até então, verdes pastos, campos floridos, casinha de palha, feno no celeiro e vaquinha no curral. Tudo bem que no meu pasto tinha erva daninha, no meu campo pestes horrendas, na minha casinha conflitos e ameaças de morte, o feno estava mofo e a vaca prenha de um cavalo; mas são meras idiossincrasias quando o dilúvio se faz presente. O único refúgio é a saleta situada no topo do meu moinho que insiste em girar incansavelmente sobre a torrente espalhando as fúrias: a minha e a do tempo.
Em meio a este colapso hediondo, um pedaço de mim chamado amor debruça meu corpo cansado no parapeito da janela – enquanto as hastes passam furiosas rentes ao meu rosto e o caos se faz presente por todo o espaço –, estende meu pensamento ao infinito, faz-me colocar uma mão sobre o queixo e suspirar deliciosamente pelos momentos mais abstratos do interlúdio, aquele tempo encaixado entre o depois do fim em um, o depois do início em outro e a impossibilidade em ambos.


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E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acentos
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

H.H

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Chaveiro

O grande problema de ter tanto auto-controle emocional é que você perde completamente a habilidade em encontrar o caminho do coração alheio. Ele tem a chave do céu e a única coisa que posso oferecer é um passaporte para dentro de minh'alma. Mas ele não aceita, prefere as abstrações mais terrenas, afinal, ele já tem o céu... o que ele quer é só da carne, daqui, da terra.
Já disse que meu coração poderia ser teu chaveiro? Penduradinho delicadamente em tuas palavras e te acompanhando por onde você fosse...
Ignonímia I

O pior dos julgamentos é o tribunal do Ego.
Meu banco dos réus está repleto de "eus", eu assim, eu assado, eu cozido, eu cozinhado, eu mal passado, eu bem passado, eu... eu... Eu! Coisa mais repugnante eu em várias versões, quer coisa mais egocêntrica, sem graça, repetitiva e entendiante? Um dia, daqui muitos anos, vou virar uma Ana Clara Pessoa e inventar alguns heterônimos para, pelo menos, conseguir preencher a primeira linha da ata do meu julgamento. Por enquanto, a situação está uma zona, pior que funcionalismo público em véspera de feriado com troca de governante.
Como se não bastasse este caos (também) ignóbil, a solução dos heterônimos já começaria com um impasse: minhas pessoas não têm sexo. Digo, na verdade, elas até gostam, mas não se comportam de uma maneira constante tal que poderíamos lhe atribuir algum gênero. Para resolver este problema no plano da linguagem, pensei em atribuir nomes uni-gêneros como Lair, Alaor e acabou. Só sei estes. Mas eu não gostei destes nomes e, para conhecermos alguma coisa, temos que lhe atribuir nomes. Se eu coloco um nome que eu não gosto, já não vou gostar dos atribuídos e, por tabela, todas as pessoas serão réus e não haverá sequer um juiz, dirá um promotor. Por causa do nome.
Esta idéia do Pessoa já começou a alvoroçar o tribunal e causar ainda mais confusão, mas continuemos. Já que até alguns séculos atrás as mulheres não encenavam e, nem por isto, não deixava-se de produzir comédias... e tragédias com ambos gêneros.
E lá estão "eus", sem sexo, sem nome. Um bando de gente estúpida que não sabe o que fazer com suas bandeirinhas de plástico vagabundo, pom-pons berrantes e roupas sedutoras. Mas não adianta, o promotor, superego, é implacável. Sim. O promotor é um saco: não se rende a qualquer fantasia barata comprada na loja de conveniência, tampouco na boutique mais high-society do universo. Porém, ele se rende a coisas simples, como a menina tímida "feia-da-sala" de óculos, no último dos bancos, sentada com seus pézinhos a balançar, disposta a esperar uma eternidade para ser ouvida. E não pensem vocês que, só por isto, ele deixa de ser vil.


sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Medianite

Para quem gosta de ouvir o que todos dizem, a média é aquela velha história de ter dois frangos, duas pessoas, uma come os dois frangos, a outra passa fome; porém, pela média, estão ambas bem alimentadas. É isso. Mas o drama da média é pior ainda. A sensação mais nauseante que já tive foi quando alguém descreveu-me outra metáfora: é quando você está com a sua cabeça no freezer e os pés no forno de derreter vidro. Ora vejam, você está bem. Na média. Isto também remete à sensação de equilíbrio, no caso, térmico. Juro que agora penso duas vezes quem se auto denomina uma pessoa "equilibrada". Penso e muito.
A minha indignação com a média também se prolonga não só pelas metáforas, mas pelo status de "mediana". Tá que Aristóteles jurou de pé junto que a virtude está no meio, mas, sempre mas (adoro as conjunções adversativas), ele também disse que para "situações extremas, atitudes extremas" e, destarte, voltamos ao equilíbrio. Ou seja, o equilíbrio (virtude) não se mede pela simples "média" das coisas e, muito menos, pelas coisas medianas. Se a situação pede revolta, façamo-na.
E é isto que quero fazer comigo. Reforma. Uma desconstrução geral das coisas que penso, sinto, faço, julgo, minto e escrevo -- sendo esta última nada mais do que a síntese das ações anteriores. Todos estes elementos ocuparam um espaço de lata de sardinha vencida, uma coisa pequena, amassada, podre, moribunda e amórfica; um produto bem asqueroso que se encaixa na média das coisas que todo mundo faz, pensa, sente, julga, etc. O quadro é alarmante: fingimos em três níveis que, para o meu horror, acabam se tornando realidade. Eu acho que penso diferente, acabo pensando igual e todo mundo que pensa igual acha que eu penso diferente sendo que, na verdade, ninguém saiu da porra do lugar. Entenderam? É tudo fingimento, mas verdade dentro da média; uma mentira sem cor profunda.
E eu vou sair disto: às.

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

E a coisa funciona mais ou menos assim:
quanto maior a lucidez, maior a probabilidade de nos ofuscarmos com a luz. A força que fazemos ao comprimir os olhos diante de uma irradiação intensa desvia a energia do pensamento. O que acontece? Ora essa, ou ficamos loucos ou damos o crédito ao inconsciente. A intensidade não importa, eles preferem ficar com as sombras. Elas têm forma, a luz não. Para os cegos, é isto que importa.
Escrevendo

Só sei dar jeito
em adjetivo

Muita substância
carrega meu pensamento
subjetivo

Do controle das palavras
te digo uma coisa:

tenho em minhas mãos
o verbo

mas não domino
o substantivo

domingo, 15 de outubro de 2006

Design arrojado
Ele é um compasso. Crava a ponta firme em meu sexo e todas as idiossincrasias devem ser perfeitas como a circunferência desenhada pela grafite três ponto zero. Ele insiste em dizer que eu sou a medida de todas as suas coisas, e calcula todas as extensões de uma ponta a outra dos meus dedos. Rodeia-me com os olhos de arrancar qualquer pi radiano de minh’alma e não enxerga que eu ocupo toda a área. Não mesmo. Ele é tão racional em seu dois pi erre, que se esquece do meu charme pi erre ao quadrado. Aliás, ele só se lembra quando a ponta firme de seu compasso é cambaleada por um movimento assaz calculado de meu ventre. Ele diz que não é calculado, que eu sou pura área e mais nada. Apenas uma hachura. Mas eu sei que sou a base de toda aquela frieza calculista, ele não. E não quero que saiba. Ele, sem mim, é apenas um risco traçado, sem sentido, sem conteúdo, sem cálculo e sem beleza. Eu, sem ele, sou apenas um borrão amórfico transbordante para o nada, um erro grotesco da lógica. Sucedeu que o acaso derrubou café no nosso papiro, o tempo tentou consertar com uma borracha de petróleo. Caca. As nossas invenções prodigiosas perderam-se história.
O pretérito pipa e o futuro da flecha

Eu tento levar a sério as coisas que me dizem. Portanto, sempre tendo a começar um texto com "disseram-me uma vez que...", porque assim me disseram e assim eu tentei fazer. Não fico surpresa quando o "disseram-me" sempre erra o alvo (confesso até esboçar um sorriso sarcástico). A semântica monta o arco, o significado puxa a flecha e a palavra dita irrompe da arma rasgando o ar, sugando-o de qualquer outra intenção não-dita. Há quem consiga força para lançá-la à lua, e erra o alvo. Há quem é fraco, franzino e pedestre e articula uma combinação certeira. Há quem una potência e precisão, mas isto fica por conta dos gênios.
E, em meio a esta competição toda, preciso avisá-los de algo que "não me disseram uma vez que". Pois é, desta vez, não me avisaram: esta flecha tem rabiola. Sim, estou te falando, a palavra dita tem rabiola. Trata-se de uma mistura (im)perfeita do pretérito pipa com o futuro da flecha. Estou enrolada com várias rabiolas. Quem manda soltar um monte de flechas?

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Memorial de Ana Clara Moura

Memorial em homenagem à quase falência múltipla de meus neurônios que, apesar do trabalho mouro desta semana, não param de pular que nem tico-e-teco na brinquedolândia. Ana Clara porque, sim, mesmo labutando o dia inteiro do feriado (?), não perdi a noção de quem eu sou - assim espero. Mas ainda me pergunto para onde eu vou, de onde eu vim, onde eu estou, por que eu estou. Moura porque, bem, eu acho que vocês já entenderam.
Quanto à concretude deste título, peçam a nota do pedido e enviem ao setor financeiro.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Guarda-roupa

Disseram-me uma vez:
não saia
de casa.
E eu saí,
de saia.

E reforçaram:
vá, segura,
pela calçada
Eu detesto
calça

domingo, 8 de outubro de 2006

Cabra cega

Em terra de cego
quem tem um olho é rei
quem tem dois olhos é louco
quem tem miopia é gênio
quem tem catarata é sábio
quem dorme é feliz

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

Para o futuro, de volta às panelas

Nas composições escolares, Frederico sempre caprichava no efe. Rebuscava-o amiúde e de tantas formas que a professora, ao mesmo tempo contente por ter um aluno tão dedicado, perdia as estribeiras com a longa demora do menino em terminar um simples exercício caligráfico. Ela não é a única a quem o personagem desperta sentimentos tão contraditórios.
Em casa, Frederico dedicava-se integralmente aos pais. Não por vontade própria, é claro, afinal tinha um pai cuja marra media dois prédios, altura media 1,78cm e tolerância dois ciscos e meio em dias de bom-humor. E uma mãe que, até quando nascera o filho, era uma mulher amável, porém, por vias do relacionamento, enterrou o cenho por cima do nariz e decidiu não retirá-lo de lá tão cedo.
A rotina de Frederico ao voltar da escola era constante: limpava seus pés no primeiro tapete da casa, ainda na calçada; abria lentamente o portão enferrujado, levantando a aba do trinco com uma habilidade inigualável, pois conseguia fazê-lo sem irromper um barulho sequer. Três degraus da escada separavam-no da entrada principal, e até hoje Frederico se pergunta por que seu coração palpitava tanto neste momento. Sua bermuda escolar subia e descia ao longo de suas coxas, enquanto ele subia vagarosamente aquele ínfimo lance de escada. Por alguns segundos, Frederico gostava de admirar a grandiosidade da porta de sua casa (um pedaço de madeira enorme, recheado de ornamentos, cravejado de pedras, com uma maçaneta suntuosa e um peso doentio). Seu pai proclamava muitas vezes a nobreza jurídica desta porta às visitas: “é madeira de lei”. Entretanto ele nunca entendera muito bem esta afirmação, e, quando lhe apresentaram o símbolo da Justiça, acreditou que por trás daquela venda havia dois sedutores e enormes olhos azuis.
Depois da contemplação, ele limpava os pés no segundo tapete da casa e abria a porta. A única pessoa a sorrir com sua chegada era Constantina. Seus olhos corriam a casa de ponta a ponta, da esquerda para a direita, e vice-versa, freneticamente em todas as vias, se seus pais não estavam, ele rompia da entrada da casa correndo em direção à serviçal e dava-lhe um abraço longo e apertado. E Constantina, feliz pela espontaneidade da criança e também tensa pelas conseqüências desta cena – caso os pais de Frederico vissem-na –, recebia o calor do menino em seus braços e saía apressadamente com a criança no colo para a cozinha.
Este momento era o mais prazeroso. Ambos sabiam tácita e silenciosamente da restrição temporal daquele deleite. Portanto, trocavam as experiências do dia em ritmo acelerado e divertido. Frederico contava com a boca cheia de bolo seu gol de placa, repetindo o gesto do goleiro com o copo na mão e um bigode de leite acima dos lábios. Enquanto Constantina usava a colher de pau, em que mexia a panela de doce, para imitar o verdureiro a quem soltou vários desaforos por ter insinuado um elogio a seu decote. Por vezes, disparava a cantar para a criança a última música que aprendeu usando a própria colher como microfone.
Porém, o clima amistoso não durava muito tempo. Não só pelos barulhos de escada rangendo, que denunciavam a desconfortável presença da mãe em breve, mas pelo motivo da felicidade encantadora e sarcástica daquela que descia a escada: o destino de Frederico. Ele também nunca entendera porque as ancas menores de sua mãe eram mais assustadoras do que as enormes de Constantina, mas de uma coisa ele tinha certeza: o tal futuro era tão aterrador quanto aquelas ancas finas, e não passava de mais nada além do momento em que o riso é embotado, o bolo é indigesto, o leite é derramado, o pudor é duplicado e Constantina volta às panelas.

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Homem

Vi ontem um homem
Nos límpidos pisos do shopping center
Catando produtos entre as vitrines
Quando achava alguma coisa
Não examinava nem cheirava
Passava o cartão de crédito com voracidade
O homem não era um jovem
Não era um velho
Não era um infante
O homem, meu Deus, era um bicho!
Novidades no terreno instável onde habitam os planos e as ações para o final de semana

E tudo estava planejado para ser assim: mais um final de semana -- merecidíssimo -- como outro qualquer com muita soneca, leitura e dvd. Soneca para me recuperar da semana agitada pelos bares da vida, leitura porque meu espírito clama por alimento e dvd porque resolvi, de uns dias para cá, estudar cinema. Estudar de verdade: entender a história, as relações, afinar o olhar, o ouvido, o pensamento, e não decorar nomes de cineastas, filmes famosos (considerados "cults"), datas marcantes, festivais importantes para sair regurgitando por aí como qualquer outra asneira que, geralmente, sou obrigada a ouvir de pessoas que querem se considerar "intelectuais" etc etc. Isto me revolta.
Tudo bem, de volta ao planejamento para os dois dias sagrados que interrompem, em tese, a linha de produção semanal, eu, como boa proletária, calculei tudo em termos práticos e de entretenimento: minha cama, meus livros, meus dvds. Esta soma é igual à Ana Clara fechada em casa, quieta e sem muita badalação. E falta de badalação, por falta de badalação já estava o clima de votação mesmo, só ia me aliar ao espírito incólume que pairou nesta campanha.
No entanto, como entre os planos e a ação há uma linha tênue que, por mais difusa que seja, ainda exige a opção entre o "sim" e o "não", a malfadada decisão não acompanhou o planejamento.
Badalei intelectual e futilmente o final de semana inteiro. De festa à palestra, de orkut à Madame Bovary, de Jardins a Walter Benjamin, de Maria Rita a Vinícius de Moraes, de interpretação de sonhos a Lacan, e, no domingo, de "política" à política. Os dois dias de interrupção da linha de produção semanal ficaram mais para desvio da esteira do que qualquer outra coisa.
Resultado: ainda estou tentando recolocar minhas esteiras no lugar certo. Ainda sobram alguns parafusos, mas não sei onde colocá-los e, meu sapato, que está perdido em algum lugar da máquina (e que um dia vai entortar os pinos, tapar uma válvula de escape e desestabilizar algum sensor criando um lapso geral), será encontrado em meus pés quando tudo estiver acabado.

sábado, 16 de setembro de 2006

Nem uma coisa nem outra
Sim, acordei num sábado super disposta a fazer tudo. Na sexta-feira, depois da semana punk de trabalho, administrei todo o meu tempo e concordei comigo mesmo mesma: "você é a lady-manager-administration-time e vai cumprir todas as tuas tarefas amanhã".
Acordei, sentei à frente do computador e... não fiz absoltutamente nada do que precisava ser feito. A tarde já está no fim e eu fiz tudo, sim, tudo MENOS exatamente aquilo que era necessário. Não adiantei uma vírgula da tal pauta consolidada tão sonhada pelo meu colega de trabalho, não arrumei um fiozinho de cabelo do meu armário, não tirei um pó da casa, não pesquisei para o estudo sobre jornalismo Online, não dei continuidade à leitura de Mann, Eichmann ainda esbraveja desaforos em alemão pra mim e eu estou aqui.
e desligo o computador para fazer alguma outra coisa útil, sinto-me culpada por não estar com o traseiro colado na frente dele escrevendo as matérias da redação, pesquisando para o meu artigo e escrevendo um email de despedida para os meus professores de filosofia.
O que eu fiz até agora? Descobri vários sites interessantes sobre coisas inúteis, baixei um contigente infindável de músicas (sim, o Kazaa é carente. Você precisa ficar olhando e admirando seus downloads e rezando para que algum imbecil de quem sua música está sendo retirada não desconecte), fiquei decorando as letras de Vinícius e Chico Buarque (sim, um hábito adquirido na infância que, às vezes, é meio incontrolável. E torna-se quase um orgasmo quando consigo fazer paródias), vi um um filme-memória "Nós que aqui estamos, por vós esperamos" (acredito que a única coisa útil do dia), reli um estudo sobre a modernidade em Walter Benjamin (ok, a segunda única coisa útil) e fiz comida.
Ah! Sim! Ei, psiu, não sou tão inútil! Eu fiz comida! Um avanço culinário: macarrão com sardinha e maionese. E não era Miojo. I am feeling like the master chiefe of the year.
Para falar a verdade, eu estou irritada. Não sei o que quero fazer. Eu queria sair e praticar esporte, mas estou cansada de andar sozinha pelo Taquaral. Preciso fazer uma academia, mas está cara! E meu cartão já está negativo, minha conta corrente também e, às vezes, saio correndo das pessoas que fazem cara de "Visa ou Mastercard?" para mim.
Agora, olho para minha mesa: uma bagunça; na minha televisão: a cena pausada que mais gostei do filme "Nós que aqui estamos..."; na cozinha: a louça do almoço; no armário: monstros horrendos, elfos encantados, duendes encarnados e dragões raivosos me aguardam para o duelo do século "Preguiça-do-caceta-de-arrumar X eu-sou-uma-mulher-madura-que-sabe-organizar-as-próprias-coisas".
E assim a vida vai...
E, ah... também escrevi no blog...
Daqui a pouco, devo ir para um rega-bofe na casa do colega que tem o sonho da pauta consolidada...
Caro cidadão,

E se eu te amasse na quarta,
Não te amarei na quinta
Isto pode ser verdadeiro
Por que você reclama?
Te amei na quarta sim, e daí?

Edna Vicent Millay

sexta-feira, 15 de setembro de 2006

A coisa aqui tá preta

Na verdade,

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
pra ver a banda passar
mas não gosto de cantar coisas de amor

A minha gente sofrida
não despediu-se da dor
eles só querem ver a banda passar
e cantar coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro morreu
O faroleiro que contava vantagem morreu
A namorada que contava as estrelas morreu
Mas seus filhos ainda preferem ver, ouvir e dar passagem

A moça triste que vivia calada se prostituiu
A rosa triste que vivia fechada se despediu
E a meninada toda se banalizou
Pra ver a banda passar
e cantar coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e se matou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha fúnebre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se alienou
Pra ver a banda passar e cantar coisas de amor

Mas para meu desencanto
O que era ruim se eternizou
Tudo piorou no seu lugar
Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
E eles cantarem coisas de amor

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

Pelo que não é
Ele não é cruel. Ele até sente uma pontinha de prazer em ser chamado assim. Eu sei disto e por birra não o acho e sem birra também. Podem todos chamá-lo vil, cruel, insensível, impassível, afirmo, não é, não é, não é e não é o contrário. O ataque é simples: qualifique-o doce, meigo, amistoso, o mais fofo de todos os fofoletes reunidos num simpósio da fofolândia mundial. Viu? Ele deve estar revirando as entranhas agora. Ele é louco assim mesmo. Cruel não é. Nem nos seus maiores ataques de vileza que, aliás, são sensacionais. De sensação mesmo: ele sente, eu sinto, ela sente, você sente, mas não é.

domingo, 3 de setembro de 2006

Banho de água fria

Senhor delegado, eu só queria tomar banho dignamente. É certo que o fim da nossa relação não foi muito boa.
Tudo começou com a torneira, há tempos entrávamos em dissídio incessantemente. Eu tinha pressa, delegado, e ela insistia em abrir espaço para muita água – o que o deixava frio – ou pouca, o que impedia, também, de ter água para ele esquentar e, de fato, ele desligava. Mesmo assim, nada impedia que eu e ele tivéssemos um ótimo relacionamento durante todas as manhãs e, por vezes, no final da tarde. Sim, era freqüente. Quanto à torneira, resolvi como uma verdadeira dama que mora sozinha: peguei um alicate qualquer e apertei tudo que era possível. Ela não se rendeu totalmente à minha arbitrariedade, mas, com a força, tudo se resolve e o Estado era eu. Portanto, censurada de qualquer “voltinha” pela manipulação da água, a torneira passou a se render minimamente às minhas vontades e liberar água suficiente para ele esquentar. Depois, doutor, tudo voltou à mais perfeita harmonia.
Hoje de manhã, quando íamos fazer aquilo que todos fazem, ele não fez! Desligou. Olhei feio para a torneira, claro, culpa dela! Afinal, ela era a única que não se conformava com o nosso relacionamento perfeito. Peguei o alicate e nhum! apertei, mas ela não tinha afrouxado. Olhei para cima – sim, delegado, ele sempre fica em cima, isto é normal – e comecei a desconfiar. Olha, doutor, eu não falei nada, só pensei “acho que o problema é com ele”, aff, ele desistiu de vez. Deixou-me lá, delegado, sem nada, sem um pinguinho! Cheguei a pensar que o problema era conjuntural e apertei o interruptor... foi deprimente, o problema era realmente com ele. A hora passava... eu comecei a ficar com pressa e com frio. Conversei, dialoguei, tentei de todas as formas, todas as posições, de todos os jeitos, nada! Meu cabelo ensebado e aquela água fria. Tentei mais um pouco e não ouvi um gemido sequer... fui me desesperando. Peguei o primeiro objeto que vi pela frente e TÓFT soquei-lhe a embalagem de shampoo. Foi assim, delegado... que destruí meu chuveiro. Pôxa, eu só queria água quente.

sexta-feira, 1 de setembro de 2006

Da qualidade de gêneros do mundo bloguístico
"A idolatria que as mulheres têm pelo amor é, no fundo e originalmente, uma invenção da inteligência [...] Mas, tendo se habituado a essa superestimação do amor durante séculos, aconteceu que elas caíram na própria rede e esqueceram tal origem [...]" Nietzsche

O texto bloguístico masculino é muito mais interessante que o feminino. Não por uma mera questão de interesse pelo sexo oposto, basta uma rápida navegada e verá uma diferença latente entre ambos. Antes que eu receba milhares de mensagens indicando blogs femininos de qualidade e masculinos de muito mau gosto, advirto que estou me referindo aos blogs onde os homens tratam de mulheres, e mulheres tratam de homens, e ambos tratam do tal amor.
Isto eu hei de defender até o fim. Enquanto as mulheres se deleitam em postar textos e mais textos sobre o grande amor de suas vidas, chorando, lamentando-se, colocando poemas, músicas, cantigas etc etc; os homens escrevem textos maravilhosos e, por mais apaixonados ou frustrados que estejam, não entregam o coração de bandeja esbaldando-se em palavrórios melosos. Ok, há as malditas (ou melhor, benditas) exceções, mas nada que desafie a regra. Vejam, eu estou falando das pessoas que possuem algum tino literário e cerebral. Lixo é lixo, não tem conversa.
Machismo? Não. Cons-ta-ta-ção apenas.

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Guerreiros fazem zigue-zigue-zá

Não sou escrava de Jó, nem jogava o Caxangá, mas tenho uma séria dificuldade em decidir o que tirar, o que pôr e o que deixar ficar. No processo de multiplicação, abstenção, aquisição, distribuição e subtração dos problemas e loucuras diários, sempre resta alguma peça no lugar errado – como aquela mão desajeitada que não sabe acompanhar o jogo e a música ao mesmo tempo e acaba enrolando todas as peças da brincadeira.
Há certos dias – poucos, mas há –, em que as loucuras, na correria insana da rotina, acabam tomando seu rumo e combinando-se, umas às outras, perfeitamente. Uma sinfonia tão bem regida que elas passam despercebidas. Por incrível que pareça, os problemas não se atrapalham em meio ao furor cotidiano e, ao fim do dia, eu me olho no espelho, dou uma piscadinha, desenho um “Z” no vapor acumulado e esboço um singelo sorriso.
Porém, como não dá para ensinar todos os meus neurônios e intuições a jogarem ao mesmo tempo, com a mesma rapidez e habilidade, as peças acabam embaralhando-se todas mais freqüentemente. Para impedir um colapso geral do jogo, escondo algumas loucuras; cochicho uma correção à razão; deixo algum problema estagnado para a próxima rodada; dou um jeito. Afinal, nem sempre, como na brincadeira tradicional, eu tenho uma peça por passagem. A vida é um pouquinho mais complexa.
O imbróglio se dá mesmo no final: depois de todas as artimanhas para articular e arranjar as loucuras e problemas e combiná-los com a música, quando tudo parece estar definido para o fim do jogo, os malfadados guerreiros não me deixam decidir onde colocar as peças. É um tal de peça que vai, mas volta; parece que fica, mas vai; loucura indo, razão voltando, problema multiplicando e tudo vira uma imensa lambança.
Tem guerreiro fazendo zigue-zigue-zá na minha cabeça.

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Perguntas não-aceitas
Alguns chamam de instinto jornalístico, outros de rebeldia fajuta; para uns a culpa é do signo, para outros da minha formação; muitos atribuem a um poder metafísico e transcedental chamado "jeito de ser", outros a uma impertinência e burrice próprias da juventude...

Admito: nem sempre -- ou quase nunca -- meus questionamentos são socialmente aceitáveis (ou convenientes, tudo é uma questão de "dar nomes"). Não que eu invada a privacidade das pessoas e ultrapasse o limite da "propriedade privada de temas" a serem discutidos na mesa de um bar, por exemplo; não que eu não entenda as piadas, pelo contrário, geralmente, dou continuidade (sem muito sucesso, mas isto vale outros motivos para rir); não que as perguntas sejam tão óbvias, a ponto de levar meus interlocutores a questionarem se eu consigo bater palmas sozinha. O que acontece, então, que eu sou mestre na arte de desconcertar as pessoas? Longe de ser um mérito conseguir silenciar uma conversa e ser bombardeada por olhares inquisitores, eu só observo (muito, eis o problema), escuto e questiono.
Um avanço. Afinal, antes, eu perguntava e falava demais. Agora, só pergunto. Lógico, um recuo estratégico, pois na arte de "falar demais" eu era sempre contra-atacada quando havia alguma autoridade presente. Autoridades não gostam de gente que fala. E, quando se trata dos "donos da verdade", não adianta discutir.
Como há em mim um certo instinto -- instinto mesmo, é quase incontrolável -- insubmisso, tive que sair por alguma via e adotei a pergunta. Além de evitar a enxurrada de críticas aos pressupostos do meu discurso oral, ao colocar-me na condição de aprendiz, quase de imbecil mesmo, permito-me fazer os tais questionamentos. No entanto, até as perguntas têm o seu caráter ignóbil (por mais cara de inocente que eu tente fazer, ou por mais singela que seja a dúvida mesmo). E dá-lhe indiscrições... minhas, claro.
Admito outra coisa: eu me divirto demasiadamente com tudo isto.

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

QUANDO AS PESSOAS DIZEM O QUE EU QUERO DIZER...
Ana Clara

As pessoas não pensam as coisas, elas pensam nos rótulos
Mário de Andrade

A forma predominante de dominação ideológica não é mais o ocultamento dos fatos, um estratagema bastante primitivo, usado pelas ditaduras. Hoje, a dominação se faz muito mais pela capacidade de nomear. Mário de Andrade dizia: "As pessoas não pensam as coisas, elas pensam nos rótulos". Tinha razão. Boa parte do jornalismo econômico contemporâneo, por exemplo, tornou-se uma grosseira arte de rotular.
À lei que define que os recursos públicos devem ser prioritariamente usados para pagar juros ao sistema financeiro, em detrimento de todos os demais gastos do Estado, rotula-se "lei de responsabilidade fiscal". à prática de cortar gastos essenciais, para sustentar esses mesmos pagamentos, rotula-se "disciplina" ou "austeridade", necessárias para formar um 'superávit! metafísico (denominado, espertamente, "superávit primário"). Ao desmonte dos mecanismos de defesa de uma economia periférica e dfrágil rotula-se "abertura". Aos efeitos do desvio de finalidade das contribuições sociais - recoluidas pelo Estado, conforme a Constituição, para financiar os sistema de seguridade social - rotula-se "déficit da Previdência'.
Os meios de comunicação difundem esses chavões e, pela repetição, os incorporam à linguagem comum. Feito isso, não há mais debate possível. Quem pode ser contra "responsabilidade",
"abertura", "superávit", coisas evidentemente tão boas? Quem se habilita a defender, a sério, "irresponsabilidade", "indisciplina", "gastança", "fechamento" e "déficit"?
Em plena vigência de um regime político que garante liberdade de imprensa, paradoxalmente, quase ninguém tem acesso aos conteúdos das questóes. Tudo fica paralisado nos rótulos, usados para bloquear sistematicamente o pensamento.
César Benjamin, Revista Caros Amigos, dezembro 2005.

domingo, 27 de agosto de 2006

Conformação alfabetizada

Uma mulher -- estereótipo da empregada doméstica-- começa a testemunhar sobre os inumeráveis benefícios de aprender a ler e a escrever: "Agora, eu posso ler as receitas da minha patroa e fazer tudo que ela gosta. Ninguém precisa mais me ajudar..."
Um homem, caracterizado de porteiro de edifício de luxo, segue na mesma linha: "Agora, posso ler as correspondências e entregá-las exatamente ao seu dono, sem problemas. Até sei anotar recado!"
E assim termina as propagandas da campanha de alfabetização solidária. Ninguém vai se alfabetizar para mudar de posição, para voltar aos estudos, para entrar numa faculdade, para aperfeiçoar o raciocínio, nada neste sentido.
O aprendizado é para servir melhor os patrões, afinal, "vocês, analfa, não conseguem nem anotar recado, nem fazer um bolo sozinhos! Bando de incompetentes. Mas nós, pessoas muito legais, oferecemos-te a oportunidade de serem empregados mais eficientes, pedindo, pela televisão, que os teus patrões ajudem a nossa campanha". Uma espécie de manutenção qualificada do status-quo.
É mole?
Uma campanha, por uma causa tão boa, enviesada desta forma, é revoltante.
Se a Cássia Eller é uma garotinha, eu sou o quê?

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

É mais fácil cultuar os mortos do que os vivos
mais fácil viver de sombras que de sóis
é mais fácil mimeografar o passado
que imprimir o futuro
Não quero ser triste
Como o poeta que envelhece
lendo Maiakóvski na loja de conveniência
Não quero ser alegre
como o cão que sai a passear com o seu dono
sob o sol de domingo
Nem quero ser estanque
como quem constróis estradas e não anda
Quero no escuro
Como um cego, tatear as estrelas distraídas
amoras silvestres no passeio público
amores secretos debaixo dos guarda-chuvas
tempestades que não param
pára-raios quem não tem
...
Zeca Baleiro

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Estudando com o inimigo

"ACESSO RESTRITO SOMENTE A FUNCIONÁRIOS"
Aviso pregado numa porta, no corredor do prédio do IFCH, na Unicamp.

Nota: o acesso é exclusivo aos funcionários.


Pego o ônibus, abro meu livro, ligo meu fone, aprecio a paisagem, pago a passagem, desço do coletivo, subo o primeiro lance de escada e, blam, deparo-me com este aviso. Isto acontece há um mês, pelo menos, três vezes por semana e incomoda-me profundamente. Não, claro, somente pela chatice adquirida de corrigir pleonasmos, regências, palavras inadequadas etc, mas pela outra chatice de encontrar, como diz o provérbio, "pêlo em ovo" ou "chifre em cabeça de cavalo".
Como boa joselita, poderia pegar minha caneta, com toda fúria que algum membro do IEL tem passando por ali, aponto para o local do crime, os olhos cheio de sangue e zás! Risc risc risc risc retiro um dos termos que distorcem o sentido original da oração.
Depois de imaginar esta cena com um risinho sarcástico, chego no segundo lance de escada e já estou com os pensamentos em outro lugar.
Atualmente, muitas portas estão fechadas somente para funcionários (no sentido mais amplo). Donos de banco, empresas, multinacionais têm acesso a várias coisas que a maioria das pessoas não têm. E não falo apenas de poder de consumo para obter uma televisão 49 polegadas, tela plana, mas de capital cultural, ensino, aprendizado mesmo. É um tal de cerrar portas para o conhecimento que, muitas vezes, me assusta. E o movimento é tão intenso que até quem possui "capitais" para adquiri-lo, não o faz e se perde em coisas banais como estas tranqueiras publicitárias que se vendem por aí.
Calma, não vou me alongar nesta discussão... afinal, já estou em frente à sala e tenho que entrar para a aula.
Até a próxima ;)

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Juventude


Tenho medo da minha velhice. Não estrito senso, lato mesmo. Não me refiro à mera passagem dos anos refletida em meu físico ou em qualquer outra pessoa, mas, sim, a vetustez da minha geração. Não é preciso muito para entender o abismo mental em que estamos inseridos.
Há quem diga, lógico, que o quadro catastrófico já estava montado há mais de dois séculos; outros que foi no século passado; outros desde que alguém acreditou na idéia de propriedade; outros desde que o homem se entende por ser social; outros juram que foi o golpe de 64, maldito golpe, se não fosse ele...; para além das conjecturas sobre o ponto de virada (se é que existia um mundo-maravilhoso anterior sobre o qual os mais velhos tanto falam) uma coisa é certa: agora, a versão é intensamente piorada. E, se isto ocorre na juventude, o que esperar da velhice da minha geração?
Vejamos um exemplo: Fernando Henrique Cardoso. Como intelectual, é indiscutível. Na juventude, diz sua bibliografia, lutou pelo avanço dos direitos políticos, sociais, participou do MDB, estudou, foi ativo na política (entendida como sistema de pressão para fazer-se ouvir na classe dominante, no caso, a ditadura). Depois que envelheceu, atingiu o poder e pediu, solenemente, para todos esquecerem o que havia escrito. A despeito da sua própria história, pediu: esqueçam, simplesmente, “esqueçam o retorno”. Não diria c’est la vie, mas c’est Brasil. O problema aqui não é o político que ele se tornou, o presidente que foi, nem o pedido que fez, mas a posição que ele tomou. Se, com uma história de luta, participação, inteligência que Cardoso teve (e tem) sua atitude, depois de “amadurecido”, foi abandonar a memória e viver o presente, o que dizer da senilidade da nossa juventude? Nossa geração já nasce sem história. Não vai ter nem o quê pedir para esquecer, não fez nada mesmo.
Claro, há exceções. Posso citar diversos “senhores” como o pai da minha amiga (já citado neste blog) que passou pela ditadura como o melhor dos mundos; lê Veja; é refém do cartão de crédito, do último celular high-tech, do carro nova geração; acha todos os “Fernandos” o máximo: Fernando Henrique, Fernando Collor, Fernandinho Beira-Mar e, claro, que todas as desgraças do país são culpa do Lula. Ou será que este tipo já tinha virado regra? De todo modo, seremos a versão ultra-piorada de uma versão já e infelizmente piorada.
Deixemos os exemplos de lado.
Às vezes, eu costumava dizer que a geração de 84 foi a última que teve infância. Não errava, só faltou aprofundar mais e incluir quesitos mais relevantes que, por sua vez, definharam vertiginosamente da minha geração em diante. Sim, como sempre, há aqueles que são exceções mas, a partir dos oitenta-e-quatrianos (um pouco mais ou um pouco menos), começaram a tornar-se regra.
Minha preocupação intensifica-se quando leio Ítalo Calvino (aliás, foi a partir deste trecho abaixo que me inspirei para este post).
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Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou menor) se comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais.

De fato, as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente.

Por isso, deveria existir um tempo na vida adulta dedicado a revisitar as leituras mais importantes da juventude. Se os livros permaneceram os mesmo (mas também eles mudam, à luz de uma perspectiva histórica diferente), nós com certeza mudamos, e o encontro é um acontecimento totalmente novo.
Portanto usar o verbo ler ou verbo reler não tem muita importância.
“Por que ler os clássicos”, Ítalo Calvino

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Lembro-me do axioma da juventude de décadas atrás “não confio em ninguém com mais de trinta anos”. Um ato corajoso, expressão de autonomia, de rompimento com valores tradicionais e todo um conjunto de idéias pululantes do período. E daí? Eu confio em gente com mais de duzentos anos! Aliás, eu desconfio mesmo é de todo mundo, principalmente, de quem tem a minha idade ou inveja-a.

sábado, 19 de agosto de 2006

Paradoxo(s)

Feliz com a instalação da internet banda larga e triste pelo meu computador destruído por um vírus. Pensando bem, não é tão paradoxo assim... o resultado é pior do que a situação anterior.
Agora, nem escrever em casa posso mais. Portanto, caros amigos, a produção intelectual (se é que podemos chamar assim) deste blog está nas mãos dos técnicos. Ainda bem que eles existem.

terça-feira, 15 de agosto de 2006

Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?

Fernando Pessoa

__Exercício__

Existe uma técnica por meio da qual é possível perceber com quantas mãos tocam-se uma música exclusivamente de piano. Na verdade, eu estou elevando a categoria, não é uma técnica com toda rigorosidade que esta palavra pode requerer, mas um afinamento auditivo peculiar, um dom que não necessariamente é restrito a músicos, ou a quem já fez aula de música. De qualquer forma, quem já freqüentou uma escola de piano, como é o meu caso, adquire esta habilidade.
Como todos sabem – se não, passam a saber agora – eu perdi uma das quartas partes do nível de audição na infância. Portanto, possuo uma certa relação visual com o som; desenvolvi, digamos assim, um sentido meio sinestésico, por meio do qual não sei diferenciar os limites de uso da vista em relação à audição considerados normais numa pessoa saudável. Sem dramas, é praticamente imperceptível e não há problema algum.
Há uma música, que adoro muito, cuja composição é só piano (“Comptine d'un autre été L'après Midi”, de Yan Tiersen). É incrível como consigo “ver” a movimentação das mãos e, principalmente, quantas trabalham na canção, no caso, quatro. Como se descobrisse a “verdade” por detrás da obra, ouço-a diversas vezes e sinto um prazer em parte egoísta, em outra de superação. Egoísta por achar que só a alguns é delegado o direito de ter esta “visão”, fato que perpassa, de certo modo, pelo malfadado sentimento de superioridade cujo resultado, se não bem administrado, é abominável. Superação por, ao ter em meu (in)consciente esta deficiência, poder “sentir” a música em sua “totalidade” – visto que, em relação aos normais, minha percepção estará sempre com o botão de volume algumas voltinhas para baixo.
Estive pensando, se elevarmos este quadro para uma outra escala, mais abrangente, teremos um cenário interessante.

Sem romantismos, nem melodramas, consideremos a vida como a execução de uma música. Execução nos dois sentidos: de “levar a efeito” e “cumprimento de uma sentença”, no caso, a morte. Afinal, “viver é morrer”. Alguns tocam a vida como uma valsinha chata e repetitiva; outros como uma verdadeira sinfonia alternando picos de tristeza, notas graves; silêncio absoluto longo e curto; alegria, notas intrépidas; sonatinas, loucura, sem, no entanto, perder a harmonia total do caráter mesmo que, aos olhares abstratos, estas alternâncias determinem uma essência corrosiva (mera falácia); outros, ainda, são completamente desafinados. E tal desafinação, muitas vezes, cria uma saga irreverente, uma harmonia peculiar que só é descoberta quando se faz o silêncio; e assim por diante. Para além destas comparações um tanto óbvias e batidas, está a própria construção da moral e da percepção do tempo por meio da música cuja relação Mann faz perfeitamente na fala de Ludovico Settembrini:


“...[Há] um fator incontestavelmente moral na natureza da música; a saber, que ela mede o curso do tempo de uma forma especial e cheia de vida, e assim lhe empresta vigilância, espírito e preciosidade. A música desperta o tempo; desperta a nós, para tirarmos do tempo um gozo mais refinado; desperta... e portanto é moral. A arte é moral na medida em que desperta. Mas que sucede, quando ela faz o contrário? Quando entorpece, adormenta, estorva a atividade e o progresso? Também disso a música é capaz; sabe perfeitamente agir como ópio. [...] O ópio é uma obra do Diabo, porque causa apatia, estagnação, passividade, inatividade servil. [...] Insisto no fato da sua natureza ambígua. Não exagero ao declarar que ela é politicamente suspeita” A Montanha Mágica, de Thomas Mann.

Então, temos moral, tempo e vida. Ora essa, no que diz respeito ao espírito, temos os elementos necessários para uma reflexão acerca de qualquer coisa, em qualquer ordem. Veja, até para se chegar à amoralidade, é necessário tempo e vida. Neste caso específico, o item moral pode ser “retirado”. Para todos os outros, ou ele é atacado, ou é defendido, ou é relativizado, e, de uma forma ou de outra, é tratado.
Agora, suponhamos que é possível para alguém visualizar quais são as “mãos” e de que forma elas atuam na composição daqueles elementos constitutivos de sua própria personalidade – como “essência” subjetiva – e existência como ser físico. Parece-me que Nietzsche responde quem é o alguém capaz de enxergar esta movimentação: os espíritos livres.


"Em geral, todo progresso tem que ser precedido de um debilitamento parcial. As naturezas mais fortes conservam o tipo, as mais fracas ajudam a desenvolvê-lo. – Algo semelhante acontece no indivíduo; raramente uma degeneração, uma mutilação ou mesmo um vício, em suma, uma perda física ou moral, não tem por outro lado uma vantagem. O homem doentio, por exemplo, numa estirpe guerreira e inquieta, poderá ter mais ocasião de estar só e assim se tornar mais tranqüilo e sábio, o caolho enxergará mais agudamente, o cego olhará para o interior mais profundamente, e em todo caso ouvirá com mais apuro” Enobrecimento pela degeneração, em Humano, demasiado humano,de Friedrich Nietzsche


Por meio de uma limitação física ou moral, o indivíduo pode progredir no campo do espírito e, desta forma, desenvolver a capacidade de visualizar os movimentos que entoam nas esferas da sua formação. Veja, o espírito livre, dependendo do nível de argúcia, é capaz de identificar, além do modo, QUAIS são as notas tocadas – da tradição, da razão, da emoção, do pudor, etc. Isto, diz Nietzsche, gera um ser superior. Superior no sentido de que adquiriu esta habilidade de “ver” a maneira pela qual a música é tocada. Este fato, por sua vez, ganha ares de “descoberta da ‘verdade’”, sem, no entanto, sê-la absolutamente. Contudo, o espírito livre possui esta debilidade física e/ou moral, logo, esta “visão aguçada” impute-lhe o prazer da superação de suas próprias limitações tanto objetivas quanto subjetivas, tanto inconsciente quanto conscientemente.
Apesar da astúcia e do refinamento destes espíritos, ainda falta muito para descobrir QUEM está por detrás de toda esta melodia, por enquanto, os créditos ficam para a Verdade, outro Pacu da sociedade.

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Quem pagará o enterro e as flores, se eu morrer de amores?

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Sobre a rosa do meu vaso

Na cozinha de casa há dois botões de rosa numa garrafa d’água. Quando cheguei, olhei bem para eles. Faz exatamente dois dias que as flores estão sobre a pia, portanto já perderam aquele vigor intenso, típico das rosas vermelhas; elas já estão prostradas e no início do processo de murchidão. O tempo também passa para e pelas rosas.
Abri o armário, peguei uma bolacha e, em meio àquele estado letárgico de saciação quase infantil, passei a fitá-las. Uma ponta de alegria invadiu-me a alma quando notei que uma pétala afastara-se sutilmente de um dos botões. No entanto, o outro, parece-me, desistiu de caminhar pela saga do desabrochar e encontrava-se literalmente de costas para mim, sisudo, carrancudo e introspectivo. Com este não havia papo, decidiu-se virar e esperar os dias restantes para o destino nefasto de todos os seres vivos.
Com meia bolacha na mão, aproximei-me mais e observei, através de meus olhos de lince hipermetrope, a astúcia da pétala. Não deveria tê-lo feito. Num súbito, incorreu-me a possibilidade de, ao ver o estado moribundo da rosa, ser um fator secundário: num determinado momento, alguém passou por ali, esbarrou a mão e ocasionou o deslocamento daquele pedaço da corola do centro condensado; portanto, a cena que acabara de me encantar não teria um centésimo do lirismo que lhe atribuiria se continuasse persuadida pela idéia de “esforço sobrenatural” para o abrolho. Afastei-me um pouco para ter certeza de que aquilo não era resultado de uma aproximação exagerada. De fato: em relação ao botão carrancudo, a rosa lírica avançou de forma significativa. O corolífero, todo aberto, aguardava servilmente o pouso das pétalas em seus braços. Estas, por sua vez, já tinham perdido o caráter condensado de botão e a flor iniciara a saída de seu estado casuloso, mesmo com o aspecto cansado, pétalas enrugadas e folhas amareladas.

Será que o botão carrancudo sabia de seu destino e desistira de tudo? Será que a rosa lírica era uma alienada e perdia seu tempo? Será que a lírica sabia, mas era irônica? Será que o sisudo não sabia e, por isso, não se preocupava em desabrochar logo? Será que o sisudo inveja o abrolhar da regalada? Ou acha-o desperdício de energia? Será que a regalada tem dó do carrancudo? Ou abriu-se para atacá-lo? Eles se “vêem” ou são fatores isolados? Por que uma abriu, o outro não? Por que o tempo passou tão diferente para os dois? Por que...? Será...?

Terminei a bolacha e, sem desviar os olhos, peguei um copo d’água. O líquido tonificava meu corpo do adoçamento, enquanto pus-me novamente a pensar que ambos, em pouco tempo, estariam ressequidos, amarronzados e mortos. E dei a questão por encerrada com o último gole.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Deram-me lentes e vi um mundo doente

7:45hs
"Aaaaaaahhh! Socorro! Minha bolsa! Aaaaa! Levaram minha bolsa. Filho da puta! Olha lá, ele está correndo! Minha bolsa... pega!!! [choro]"
Acordei ao som destes gritos, uma mulher foi assaltada na porta do prédio em frente. Eu e todos os moradores deste e do meu edifício saíram às suas respectivas janelas para verificar o que ocorria. Tive a rara oportunidade de conhecer meus vizinhos:
Uma família -- pai, mãe e três crianças assistiam à cena do assalto amaçarocados na janela, como se disputassem um lugar no sofá para assistir à novela das oito; um ancião de expressões profundas, sulcos marcantes no rosto, mantinha os cansados olhos baixos e parecia ter a certeza de que aquilo, mais dia ou menos dia, ia acontecer. Quando nossos olhares encontraram-se, eu li em sua face um convicto "não disse?"; um jovem, preparando-se para sair ao trabalho, arrumava a gravata, impassível. Estava ali por acaso, sequer notara o que acabava de acontecer; dois recém-casados (vi-os chegar com o carro todo enfeitado, pintado e latinhas penduradas na traseira) debatiam fervorosa e preocupadamente o fato. O rapaz segurava um telefone na mão e descrevia o acontecimento para, ao que parecia ser, a polícia, enquanto a garota ia em seu encalço também desconsolada; uma senhora, rindo discreta e desdenhosamente, chamou-me a atenção, pois eu estava certa de que a encontraria, pouco tempo depois, entre as portarias dos prédios (cuja distância é uma rua bem estreita) contando todos os pormenores a qualquer morador que passasse por ali.
E assim incluo mais pessoas comuns no meu armário de conhecidos e, claro, alguns olhavam, de alguma forma, pra mim, afinal eu encontrava-me numa mistura assustadora: espanto com os gritos, rosto amassado pelo travesseiro, espasmo pelo cenário total da vizinhança e incômodo, muito incômodo, quase um tormento pelo diagnóstico que tal fato é possível, a partir somente desta pontícula do Iceberg.

10:30hs
Parei numa esquina e esperava o semáforo de pedestre abrir. De repente, Blam! Péim! Plec! Pow! Pow! Trec! Péim! Plec! Póft!, uma mulher destruía um orelhão ao meu lado. Ela agarrou o fone com todas as forças possíveis e batia violentamente no aparelho, puxou o fio e foi detonando tudo, sem menear, nem pestanejar e sem receio de quem estivesse olhando. Como eu era a pessoa mais próxima, ela virou-se pra mim e disse: "Só não quero que me façam de palhaça! Esta merda de Telefonica!! Fui lá reclamar que o orelhão engoliu meu cartão, veja, o orelhão que tem em frente de casa e eles, além de não me pagarem pelo dinheiro perdido, disseram que não existia telefone público no meu endereço!! É dinheiro, moça! Eu trabalho e estes cretinos ficam rindo da minha cara e esta porcaria de Procon não serve pra nada! Eu não gosto de destruir as coisas, nem é da minha índole. Mas palhaça eu não sou...!!".
Eu ouvia e concordava, quase disse a ela que daria uma ajuda com uns pontapés, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela acrescentou: "e que venha a polícia aqui! Eu quero que eles venham, cadê? Eles só prendem os pobre-coitados inocentes que têm medo deles. O Marcola, o PCC, o Beira-Mar tudo manda eles irem se fuder (sic) e estão aí... soltos ou com cela de luxo. Eu destruo mesmo... quero ver alguém aparecer...". O sinal abriu, perguntei à mulher se não queria atravessar comigo, ela agradeceu, mas negou minha oferta, disse-me que tinha um serviço a terminar. Desejei-lhe boa sorte [sem ironia] e continuei meu caminho...
Ai que inveja... e vontade.

Bom, assim começou o dia de hoje, depois de ter ido dormir com as palavras de Fidel na cabeça (pendurei uma matéria da Folha e outra do Estado na porta do meu quarto). Esta história de enxergar melhor com meus novos óculos está trazendo resultados... preciso articular-me, agora, para conseguir uns braços e umas pernas de ferro.
O dia ainda não acabou, falta presenciar uma agência bancária explodindo, ou então a ação de alguma versão brasileira de Edukators... mas sem perder a ternura jamais.

domingo, 6 de agosto de 2006

Fôlego Renovado

Com o coração em ordem, claro, nada que um final de semana com muito trabalho chato e estressante não resolva, estou de volta.
Vou seguir outra linha nesta parafernália bloguística, e tentar não fazer "posts" em casa, porque eu penso muito sobre eles e... bom... estou afim de treinar a agilidade.
Como todos sabem, não tenho internet em casa, portanto luto incessantemente com o reloginho das lan-houses para escrever todo o montante de idéias que circulam em minha cabeça. Como diria um amigo chato que encontrei e, infelizmente, tive que almoçar com ele (foi inevitável): aqui na lan "eu não peço cardápio, só digo 'o de sempre'". Pés-si-mo, não é?! Também achei, mas a metáfora foi boa.
Para contribuir com meu fôlego sentimental e físico renovado, adquiri um "visual": voltei a usar óculos. O objeto é tão estereotipado que, batata, não passo por ninguém sem o malfadado comentário: "nossa, ficou com mais cara de intelectual". Credo! Nestas horas, é melhor não dizer nada. Quem dera a solução tivesse nos óculos... se bem que, atualmente, muita gente vive na cegueira, mas isto é outra discussão. De fato, eu estava precisando das lentes e a narração da minha consulta merece um capítulo à parte.

Econo-mediquês
Depois de quarenta minutos, com os olhos esbugalhados de tanto colírio, o doutor -- provavelmente de saco cheio de tanto eu confundir "X com Y e V", "N com H", entre outros -- declarou meu diagnóstico: "Seu grau aumentou bastante: 1,75 nos dois olhos. Mas eu vou te dar um desconto". Nesta hora, imaginei um convênio com uma ótica, um óculos mais em conta, um bônus na mensalidade do plano de saúde, quelque chose. Ele continua: "vou te receitar 1,25 no direito e um no esquerdo, porque você rejeitou mais de 50% do grau anterior sem o uso do colírio. Além disto, o custo de usar um grau com este índice e blá blá blá".
Eu me senti num mercado livre de graus, visões, hipermetropias e astigmatismos. Tudo assim, com desconto, custo, eficiência, índices. Só faltou ele falar que os títulos da dívida hipermétrope estavam em baixa por conta de um desvio na variação cambial astigmática!
Pedi para ele refazer algumas colocações porque daquele econo-mediquês eu não estava entendendo nada.
Saí com a solução para a vista, mas com um problema de comunicação.
Vou a um fonoaudiólogo, ou a um otorrinolaringologista, quem sabe eles não resolvem?

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

"Socorro, aqui tem um coração!"

segunda-feira, 31 de julho de 2006














Pacu – Um amálgama de coisas sensíveis sem nome

Se isto fosse um diário teria várias coisas a falar: as minhas aventuras pelo mundo gastronômico e artístico, o aniversário do meu pai, a entrada triunfal no universo dos adeptos da cafeína (e, a despeito da irrelevância de um mero hábito adquirido por uma jovem jornalista, é um processo interessante, a julgar pelo caráter subjetivo que tal aquisição possui), a xícara em cima do dicionário para não manchar a mesa e outras idiossincrasias cotidianas irrisórias.
Se fosse seguir a “tradição” deste blog – ou seja, nada mais do que estes detalhes funestos por uma ótica egoísta, persuasiva e, de certo modo, reflexiva –, teceria aqui uma série de assuntos acumulados nos meus arquivos mental e computacional. Há vários temas interessantes – para mim, pelo menos – como um “mini-ensaio” de Buenos Aires 100km; o mote da obra O último leitor de cujo conteúdo só conheço uma frase da sinopse; uma principiada impressão das primeiras duzentas páginas de A Montanha Mágica; e uma síntese e alguns filmes que aluguei para os dias chuvosos.
Mas, porém, contudo, entretanto, no entanto – como sempre realçam os falantes quando desejam enfatizar a adversidade das frases seguintes – um pensamento assaltou-me o final de semana inteiro. Um pensamento proibido, não, note-se, em virtude moral (daria uma discussão bastante magníloqua), mas social.
Explico: não me sinto “moralmente” culpada por pensá-lo; por outro lado, estou ciente de que, se meu círculo social tivesse acesso a tais reminiscências, minha sensibilidade perante ele tornar-se-ia ignóbil. Só pensei e senti, dado que, durante este recesso de dois dias, não consegui distinguir o limite – atualmente, imperceptível – entre estes dois, hum, mundos(?).
Admito que tal pensamento – ou sentimento, não sei, estou confusa – faz-se presente há tempos e, atualmente, não sai da minha cabeça, ou do meu coração? Ou de ambos? Entendo-o como uma mistura de angústia, saudade, alívio, tristeza, compaixão, paixão, raiva, ternura, aversão, indiferença, preocupação, mas nenhum em específico. É um amálgama de coisas sensíveis sem nome. Que tal um senti/pensamento Pacu? Em referência a Abril Despedaçado, onde nomeiam de Pacu o menino que chama Menino, ou seja, também um “sem nome”. Não encontro definição mais apropriada.
O fato é: não pude conter-me, mandei os outros temas às favas e achei conveniente mencioná-lo aqui. Vejam, não tenho um pingo de lirismo para tratar disto, não por afetação, é porque não sei mesmo. Afinal, estes “súbitos” vêm subestimando descaradamente meus estudos, leituras, afazeres, disponibilidade e todas tantas que couberem na minha pacata rotina.
E, como a maioria dos casos que permeiam o campo emocional – portanto, neste ínterim, estou incluída na normalidade boçal desta sociedade –, o responsável por tal alarde é indiferente à minha existência, não é sensível ao meu interesse, sequer aos meus devaneios, tampouco aos meus sentimentos, menos ainda, se importa com qualquer um deles.
No fundo, queria ter uma sensibilidade mais ignorante, menos compreensiva e um tanto quanto adequada...
Mentiras sinceras me interessam
Cazuza
Dica: Se alguém te fizer a fatídica pergunta: o que sentes por mim? Responderás: Pacu. E apresse-se em explicar sucintamente antes que a pessoa pense que tu a difamaste.