terça-feira, 9 de janeiro de 2007

É muito fácil refutar minhas idéias. Facílimo. Até uma criança, em sua mais profunda inocência, desconstruiria, sem dificuldade, todas as minhas conjecturas acerca de qualquer coisa com a mais banal das perguntas. Simples. Meus textos são falhos. Como tudo é falho. Pensando sobre isto, tentarei justificar-me.
Antes, ponderações: não vou provar que meus textos não são falhos – portanto, se houve este lampejo, pode parar por aqui e aguardar outro post; esta justificativa será tão limitada quanto qualquer outra; o motivo que exporei aqui serve como mote para todos os escritos anteriores, presentes e posteriores.
A minha constatação partiu de uma premissa simples: meu pensamento está preso nos grilhões da linguagem. Estou ciente de que não há pensamento sem linguagem, e também de que o primeiro depende visceralmente da segunda. Explico-me: suponhamos que a defesa de qualquer “pensamento” meu fosse passível de exposição dentro da minha própria mente. Ou seja, todos os “ataques” a qualquer idéia minha se daria no nível (imaginário) do meu subconsciente; não seria necessário, portanto, transpô-la para uma linguagem “externa”, pois o debate seria “interno”. Se assim fosse, acredito que eu, ou até mesmo todo mundo, teria a inimaginável e praticamente inalcançável capacidade de defender rigorosamente – sem cair em contradições, reducionismos, exageros metafísicos ou pragmáticos, escassez teórica, etc – todas as suas idéias e torna-las-ia irrefutáveis . No entanto, daí a genialidade de poucos autores, o cerne do raciocínio está em justamente fazer esta transposição entre o pensamento e a linguagem. E quanto mais clara é a passagem, maior a capacidade sintética do autor.
Quanto a mim, ainda sinto-me (e assim estou) presa pela jaula da linguagem. Raras vezes consigo abrir uma fresta e libertar algum pensamento, mas está tão putrefato que, não é difícil, quando sai, já não faz mais sentido algum. Como isto se chama? Nua e cruamente: ignorância.
Imaginemos que há um momento anterior à transposição. Uma espécie de reserva de “pensamentos” que qualitativamente não representa nada, pois não passa de um esboço estúpido, um zigoto amorfo. À medida que as hastes da linguagem vão sendo retiradas – ou seja, utilizadas –, elas oferecem forma àquele potencial hiberno (lembrem-se que, como “zigoto”, sua capacidade de reprodução e crescimento é intensa) e luz para o seu desenvolvimento, já que o tira da “gaiola”.
Para entender a complexidade deste nascimento, é-me necessário também salientar a disposição das hastes que compõe a jaula: elas não são arranjadas de forma vertical e horizontal organizadas perfeita e coerentemente. O entrelaçamento entre as diferentes variáveis que compõe a linguagem cria um emaranhado complexo de significantes, significados entre jogos semânticos que, por muitas vezes, a retirada de uma simples “haste” depende da articulação e, portanto, conhecimento de várias outras “hastes”. Todavia, a consciência prévia de “hastes mestras” pode ajudar e muito a desencadear uma série de desobstruções em larga escala, como se encontrássemos o fio exato para desfazer uma longa meada.
Há exceções, claro, como alguns pensamentos cuja estadia deve permanecer “fermentando” e hibernando na jaula para sair com mais potencial ou, no mínimo, com maior poder de síntese. Afinal, abrir a jaula para um monstro raivoso, ainda torto, com cara de Fred Kruegger, instinto de Jack, o estripador, é preferível manter a jaula trancada para lapidar tamanha estupidez. De resto, muitos de meus pensamentos ainda borbulham dentro da jaula, poucos são os que saem, pois minha linguagem é muito limitada e não quero arriscar um colapso absoluto das poucas idéias sãs que brotam de mim.

Um comentário:

Thiago Borges disse...

Clara

E muito humano tudo isso!!!
Que verve!
Estou refletindo ainda sobre...