sábado, 31 de março de 2007

[Cuba, terça-feira, 19 de março]

Miniatura
Em casa de José Martí tive um estalo. Na verdade, este "estalo" começou no museu da Plaza de La Revolución, passou pelo monumento em Santa Clara e aflorou, ainda de forma primitiva, na casa de José Martí.
A partir do auto-questionamento da cubana que me acompanhava sobre a veracidade do conteúdo de uma carta, que, segundo as especificações, foi a última coisa que Martí escreveu, comecei a dar-me conta dos tipos de de objetos expostos para legitimar a revolução.
Assim foi até que, no museu de Che, em Santa Clara, ao ver alguns objetos, pus-me a pensar como uma coisa tão específica e ao mesmo tempo tão genérica pôde parar ali. Falo, por exemplo, de "a seringa que Che usou no dia X para salvar fulano da doença Y". A não ser que Che já se considerasse futura peça de museu e/ou todos os que estavam ao seu redor, é praticamente inviável conseguir este objeto. Poderemos até considerar a possibilidade de uma obsessão compulsiva de alguém em guardar e registrar coisas... ainda que isto aconteça, há uma certa inviabilidade nesta história. Afinal, uma seringa é uma seringa, em qualquer parte, e a seringa-que-Che-usou-no-dia-X-em-fulano é a "seringa-que-Che-usou-no-dia-X-em-fulano", entendem? Não sei, mas algo soa estranho neste jogo generalidade/especificidade.
Isto tornou-se um pouco mais complexo na casa de José Martí. Em meio a outros cacarecos - como de Che - cheguei a uma "réplica [em tamanho real] da mesa X, do dia y, em que estavam A, B e C assinando o documento W". Aceito que esta probabilidade (até mesmo se fosse a mesa original) é mais viável que a seringa, mas dei-me conta de que entre a réplica e o original, para a grande maioria dos visitantes, não fazia mínima diferença.
Primeiro porque poucos leêm o que está escrito (pus-me a observar os alheios por alguns instantes); segundo porque o deslumbramento e a superficialidade de interesse são os mesmos entre um e outro (supondo, é claro, que seja "verdade" o que é réplica assinado como tal e o original é original assinado como tal); e terceiro porque, a fundo, ambos são réplicas: alguns anacrônicos, outros, nem tanto, alguns assinalados, outros nem tanto.
O estalo se deu mesmo quando vi uma miniatura do púpito de onde falou José Martí para um determinado público. Não estava escrito "réplica" posto que era óbvio, afinal era miniatura. Porém a legenda tratava o objeto como se estivéssemos diante exatamento do pleito onde estava JM.
Por ser tão grosseiro o câmbio entre "réplica" e "original", a linguagem não sentiu necessidade (e mesmo eu não a viria) de apontá-lo. Agora, e quando o câmbio é mais singelo, ou mais difuso, ou mais curto? E se alguém tivesse uma super lente de aumento grudada em seus olhos e visse a tal miniatura em tamanho da coisa? Se tivesse que se guiar pela descrição, esta pessoa era capaz de prostrar-se diante do tal pleito para reverenciá-lo.
Miniatura é miniatura, para o plano das palavras: escrever é reduzir; editar, por supuesto. Como "avisar" as pessoas das transformações/mudanças que ocorrem entre o que se acontece e o que é escrito? Colocar uma nota de rodapé "atenção: o câmbio entre a realidade e o que está escrito pode provocar alterações danosas aos fatos" creio que não é a melhor solução e tampouco despertará a inquietude que gostaria de despertar.
[...]

Um comentário:

Feliz disse...

"Che" era um maldito dum sanguinário!