segunda-feira, 28 de agosto de 2006

QUANDO AS PESSOAS DIZEM O QUE EU QUERO DIZER...
Ana Clara

As pessoas não pensam as coisas, elas pensam nos rótulos
Mário de Andrade

A forma predominante de dominação ideológica não é mais o ocultamento dos fatos, um estratagema bastante primitivo, usado pelas ditaduras. Hoje, a dominação se faz muito mais pela capacidade de nomear. Mário de Andrade dizia: "As pessoas não pensam as coisas, elas pensam nos rótulos". Tinha razão. Boa parte do jornalismo econômico contemporâneo, por exemplo, tornou-se uma grosseira arte de rotular.
À lei que define que os recursos públicos devem ser prioritariamente usados para pagar juros ao sistema financeiro, em detrimento de todos os demais gastos do Estado, rotula-se "lei de responsabilidade fiscal". à prática de cortar gastos essenciais, para sustentar esses mesmos pagamentos, rotula-se "disciplina" ou "austeridade", necessárias para formar um 'superávit! metafísico (denominado, espertamente, "superávit primário"). Ao desmonte dos mecanismos de defesa de uma economia periférica e dfrágil rotula-se "abertura". Aos efeitos do desvio de finalidade das contribuições sociais - recoluidas pelo Estado, conforme a Constituição, para financiar os sistema de seguridade social - rotula-se "déficit da Previdência'.
Os meios de comunicação difundem esses chavões e, pela repetição, os incorporam à linguagem comum. Feito isso, não há mais debate possível. Quem pode ser contra "responsabilidade",
"abertura", "superávit", coisas evidentemente tão boas? Quem se habilita a defender, a sério, "irresponsabilidade", "indisciplina", "gastança", "fechamento" e "déficit"?
Em plena vigência de um regime político que garante liberdade de imprensa, paradoxalmente, quase ninguém tem acesso aos conteúdos das questóes. Tudo fica paralisado nos rótulos, usados para bloquear sistematicamente o pensamento.
César Benjamin, Revista Caros Amigos, dezembro 2005.

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